Abordagem do Estudo de Inteligência Artificial nas Escolas

Autor: Mattheus Henrique Alencar de Oliveira e Thierry Kontinda

RESUMO:

O uso crescente da inteligência artificial (IA) no cotidiano, seja de forma direta ou indireta, demanda uma revisão dos currículos escolares, especialmente no Ensino Médio. Este artigo analisa a necessidade de inclusão do ensino de IA e de temas correlatos, como cibersegurança, a partir da Política Nacional de Educação Digital (PNED) e do Projeto de Lei nº 2.338/2023, que propõe a regulamentação do uso da IA no Brasil. O problema central consiste em verificar se os programas educacionais devem contemplar obrigatoriamente a formação em IA e se o modelo proposto no PL é suficiente diante das diretrizes da PNED, da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente. Utiliza-se metodologia exploratória e descritiva, baseada em legislação e documentos oficiais. Os resultados evidenciam que, embora já exista um arcabouço normativo inicial, a ausência de previsão clara sobre financiamento, infraestrutura e critérios pedagógicos pode comprometer a efetividade da implementação. Conclui-se que a integração da IA no ensino deve ser orientada por princípios éticos e democráticos, de modo a reduzir desigualdades e preparar os estudantes para os impactos sociais e profissionais da transformação digital.

Palavras-chave: Inteligência Artificial; Educação Digital; Políticas Públicas; Inclusão Digital; Projeto de Lei nº 2.338/2023.

 

O uso de IA nas Escolas: Uma realidade que precisa de abordagem ética.

Este paper visa averiguar a necessidade de atualização dos currículos institucionais do Ensino Médio diante da popularização do uso de Inteligências Artificiais (IA) no dia a dia, tanto no âmbito da academia quanto do ambiente de trabalho. Dessa forma, propõe-se a discussão a partir da análise da Política Nacional de Educação Digital (PNED) e do Projeto de Lei n° 2338, de 2023 (PL), que objetiva disciplinar o uso de Inteligência Artificial no Brasil.

Como problema de discussão, pretende-se verificar se existe demanda/necessidade para que os nossos programas de educação passem a abordar o ensino de IA e cibersegurança como matéria obrigatória aos educandos, e em caso positivo, se a abordagem exposta no Projeto de Lei em destaque é adequada diante da existência de uma política nacional que visa a alfabetização digital das crianças e adolescentes. Isso a partir de uma abordagem da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo a se garantir o efetivo acesso à educação e fundamentos para a profissionalização dos brasileiros.

A pesquisa se justifica pelo fato de que a implementação e uso de IA estão passando a integrar a vida cotidiana de todos, seja de forma direta pelo seu uso em atividade corriqueiras, ou de forma indireta, pela sua aplicação em produtos e serviços disponibilizados à sociedade, o que implica, necessariamente, no reconhecimento de que existe espaço para que seu ensino se torne norma expressa no sistema de ensino, principalmente em razão dos desafios que a sua utilização implica, vez que, como explicitado na obra “Peespectivas futuras para a educação: o papel da inteligência artifgical na transformação do ensino”:

A importância desse debate vai além das fronteiras acadêmicas. Em um mundo em que a tecnologia se torna parte intrínseca do cotidiano, os sistemas educacionais enfrentam a necessidade de se adaptar às novas realidades. A IA, ao mesmo tempo que proporciona ferramentas poderosas para transformar o ensino, exige um repensar profundo das práticas pedagógicas e do papel dos professores.  

Como metodologia para a pesquisa, e devido à novidade intrínseca ao tema, adotou-se a pesquisa exploratória e descritiva, abordando a seção específica do PL em contraposição com a PNED, Constituição Federal e Estatuto da Criança e do Adolescente. 

Entende-se que, pela IA representar uma das novas tecnologias capazes de proporcionar alteração significativa nos meios de produção e de aprendizagem, passando a ser aplicada nos mais variados setores da economia, principalmente se considerada essa realidade à longo prazo, o ensino de como utilizá-la de forma ética e como ferramenta é essencial para capacitar os estudantes a uma realidade que se desvela com velocidade crescente. Nesse mesmo sentido: 

Em síntese, a inteligência artificial representa uma revolução no campo da educação, oferecendo oportunidades sem precedentes para transformar o ensino e a aprendizagem. No entanto, sua adoção exige uma abordagem crítica e responsável, que enfrente os desafios relacionados ao viés algorítmico, à privacidade de dados, à desigualdade de acesso e à resistência às mudanças.  

Conclui-se que as legislações existentes, ainda que necessárias, não são efetivas ou mesmo claras quanto a como implementar o ensino do uso de inteligências artificiais no ambiente escolar, vez que nada diz quanto à destinação da verba necessária para tanto, se, para a aplicação efetiva nas escolas, haverá necessidade de desenvolvimento de IA brasileira, ou se serão feitas licitações para a contratação dos serviços em escolas, dentre outros fatores de relevância para o tema em discussão.

 

Introdução

Conforme exposto no capítulo anterior, já existe uma política pública voltada à educação digital no Brasil desde 2023, a “Política Nacional de Educação Digital” ou PNED, sendo que, no ano de 2025, conforme divulgado em Cartilha digital do Ministério da Educação, “Educação Digital e Midiática: Como elaborar e implementar o currículo nas Escolas”, só será possível verificar os seus efeitos práticos a partir de 2026, conforme previsão do art. 36 da Resolução CNE/CEB N. 2 de 21 de março de 2025.

Ocorre que, apesar do avanço que o PNED representa, por intentar uma atualização de currículos, expandindo o acesso a uma educação e alfabetização digital, não há qualquer previsão específica quanto ao ensino e abordagem de Inteligências Artificiais. Essa ausência foi corrigida, de forma tímida, pelo CNE com a Resolução citada anteriormente, vez que em seu art. 29, II, expõe que: 

Na implementação da educação digital e midiática, as redes de ensino deverão observar as seguintes diretrizes: […] a compreensão de algoritmos, do uso de dados para o treinamento de máquinas, das plataformas digitais e das diferentes formas de Inteligência Artificial – IA, além de suas implicações éticas e sociais;

Nesse sentido, é necessário destacar que a regulamentação do uso de inteligência artificial na educação não pode ficar estanque à essa previsão breve. Isso porque o contexto internacional no qual o desenvolvimento, uso e aplicação de Inteligência Artificial como ferramenta prática em diversas áreas profissionais passou a ser a realidade, principalmente no que concerne à substituição de demandas repetitivas, como informa Isaías Lima: 

[…] bastante utilizada em vários campos de aplicações, auxiliando a capacidade humana em projetos e no desenvolvimento de novos sistemas e produtos e, ainda, substituindo muitas atividades repetitivas e enfadonhas de operadores humanos em diversas funções produtivas. Isso se tornou possível graças ao desenvolvimento dos sistemas especialistas, da Lógica Fuzzy, das Redes Neurais Artificiais, dos Algoritmos Evolucionários e outros.

Nesse sentido, é necessário dar destaque à tramitação do Projeto de Lei n.° 2.338/2023 que “Dispõe sobre o uso da Inteligência Artificial”, como uma possível solução para a previsão legal existente para manter o fornecimento de uma educação que possibilite o acesso a um mercado de trabalho que já passa a sofrer alterações relevantes, semelhantes às ocorridas a partir das revoluções industriais e inserção de novas tecnologias voltadas à produção em larga escala.

Mas mesmo o PL 2338/2023 deve ser analisado de forma concorrente com a Constituição Federal, especialmente a previsão do art. 205 e seguintes, bem como do Estatuto da Criança e Adolescente, vez que a educação e profissionalização de crianças e adolescentes é tratada de maneira específica no art. 4°.

Dessa forma, objetiva-se demonstrar, os fundamentos que levam à necessidade de que o ensino do uso de IA de forma ética passe a ser abordado na educação brasileira a partir da injunção dos textos do PNED e da redação atual do PL em análise. 

 

O Projeto de Lei n.° 2.338/2023 e o PNED – A regulamentação do uso de Inteligências Artificiais e o seu Ensino para Crianças

A nova Política Nacional de Educação Digital é um marco relevante, conforme exposto. Isso porque demonstra a existência de preocupação com os avanços e modificações do mercado de trabalho, orientados a um sistema iminentemente tecnológico e conectado. Tanto é assim que o seu artigo 3°, §1° postula como estratégia prioritária: 

Art. 3º O eixo Educação Digital Escolar tem como objetivo garantir a inserção da educação digital nos ambientes escolares, em todos os níveis e modalidades, a partir do estímulo ao letramento digital e informacional e à aprendizagem de computação, de programação, de robótica e de outras competências digitais, englobando: […] § 1º Constituem estratégias prioritárias do eixo Educação Digital Escolar: I – desenvolvimento de competências dos alunos da educação básica para atuação responsável na sociedade conectada e nos ambientes digitais, conforme as diretrizes da base nacional comum curricular;

De forma concorrente, o Projeto de Lei 2.338/2023, em sua redação atual, ao dispor sobre a regulamentação do uso de Inteligências Artificiais no Brasil, destina seção específica para dispor sobre a formação, capacitação e educação, sendo que seu art. 70 expõe, dentre outros, que: 

Art. 70. A administração pública, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, implementará programas de: I – educação, formação, capacitação, qualificação e requalificação técnica e superior em IA alinhados às demandas do mercado e do setor público; […] III – apoio para trabalhadores impactados e possivelmente afetados pela adoção da IA, com foco na promoção do bem-estar, requalificação, adaptação às novas exigências do mercado de trabalho e reinserção profissional; […] e V – incentivo às instituições de ensino para incluir em seus currículos disciplinas sobre impacto ambiental e sustentabilidade no desenvolvimento e operação de sistemas e aplicações de IA e outras tecnologias digitais avançadas.

O que, não só faz sentido com a proposta do PNED, como também é medida necessária para que se preserve uma educação de qualidade, capaz de fornecer os subsídios necessários à inserção dos jovens em uma vida cotidiana sadia e a um mercado de trabalho que, conforme estudo “IA generativa e Empregos: Um Índice Global Refinado de Exposição Ocupacionaldivulgado pela Organização Internacional do Trabalho, está em período de modificação, vez que “25% dos negócios globais estão potencialmente expostos à IA generativa, com grande participação em países de alta renda (34%).”

Ou seja, em que pese o tema ser recente, trazendo até mesmo um cenário de insegurança no que concerne à quais serão realmente seus impactos, verifica-se que já existe ao menos uma arcabouço jurídico-legal capaz de orientar a sua aplicação à educação, sendo que o poder legislativo está em vias de finalizar um Projeto de Lei capaz de regulamentar o uso abrangente de Inteligências Artificiais no Brasil, proposição legal que deve ser tomada com urgência e seriedade vez que, como defendido Carla Rafaela et al

Essa regulamentação deve incluir diretrizes claras sobre o uso de dados, mecanismos de transparência e a participação de educadores, alunos e famílias na tomada de decisões relacionadas à implementação de tecnologias. Além disso, é necessário promover uma cultura de conscientização sobre privacidade entre professores e estudantes, para que ambos compreendam os limites e as possibilidades do uso de dados educacionais. 

Como fim da análise dos textos selecionados, é importante ressaltar que muitas das problemáticas existentes no que se refere à verba e aplicação de IA nas escolas ainda deverão ser reguladas tanto CNE e Ministério da Educação, quanto pelas Câmaras Legislativas. Ainda, é necessário compreender se, para a aquisição de programas de IA será proposta a realização de licitação pública para a contratação dos serviços; quais serão os termos concernentes à coleta de informações; dentre outros temas que devem ser analisados pela academia e legislativo com a maior brevidade possível. 

 

Considerações finais

De todo o exposto, tem-se que a integração do ensino de Inteligência Artificial nos currículos escolares brasileiros não pode ser vista como demanda meramente ilustrativa, mas sim como uma necessidade real e urgente. E isso se dá justamente pelo contexto de que a tecnologia das IA’s, estão se tornando a base de um novo modelo de relação comercial, o que impacta diretamente o mercado de trabalho. Desse modo, vê-se que a implementação do ensino de matérias correlatas à IA, como ferramenta, tem base social e constitucional visando o pleno exercício do direito à educação e a inclusão digital. 

Tanto a Política Nacional de Educação Digital (PNED) quanto o Projeto de Lei n.º 2.338/2023 oferecem diretrizes iniciais para essa incorporação, carecendo de definições mais claras a serem idealizadas pelas Câmaras Legislativas em consonância com o CNE e Ministério da Educação, principalmente no que diz respeito à forma com que serão disponibilizados recursos para a sua implementação.

A ausência de regulamentação específica sobre o ensino ético e crítico da IA pode ampliar desigualdades, afetando especialmente grupos sem acesso à internet e tecnologia, dificultando a inserção equitativa dos jovens no mercado de trabalho. Portanto, a construção de um arcabouço normativo sólido, aliado a investimentos estruturais e pedagógicos, é condição indispensável para que a IA seja uma ferramenta de emancipação e não de exclusão. O desafio que se impõe ao legislador e às instituições de ensino é garantir que essa transição seja guiada por princípios democráticos, éticos e voltados à formação integral dos estudantes.

 

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