Considerações sobre o direito de sequência de obras artísticas

Autora: Fernanda Marquerie Gebara

Breve qualificação: Mestre em Propriedade Intelectual e Novas Tecnologias pela Universidad Autónoma de Madrid (LLM IP & IT). Pós-graduada em Propriedade Intelectual, Mídia e Entretenimento pela Escola Superior da Advocacia de São Paulo. Pós-graduada em Direito Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós-graduanda em Perícia e em Propriedade Intelectual e Inovação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisadora sênior do Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial (GEDAI/UFPR). Membro da Comissão de Mídia, Cultura e Entretenimento da OAB/SP. Membro da Comissão de Direito da Publicidade da ABPI. Advogada.

O Direito de Sequência nas Obras Artísticas

O presente artigo se propõe a examinar, de forma breve e objetiva, o instituto do direito de sequência dos autores de obras artísticas incidente quando de sua alienação.

Na essência, as obras artísticas representam o direito de autor na sua forma mais pura e despida de qualquer véu jurídico, consubstanciada na criação e consequente exteriorização do espírito do artista.

Assim, a priori, as obras de arte são únicas e não passíveis de reprodução idêntica, pelo que necessária uma proteção legislativa especial. Assim, ao passo que autores de obras literárias ou musicais lucram com as tiragens de novas edições de livros ou com a execução pública de canções, os artistas plásticos, em razão do caráter único de suas obras, somente as venderão uma vez e não perceberão a remuneração pelas futuras e subsequentes explorações econômicas (venda e revenda). 

Daí surgiu, em 1920, na França, o direito de sequência, ou droit de suite, em conexão com indignações da sociedade ao se deparar com artistas plásticos que se encontravam em situações de indigência por não perceberem remunerações dignas, ou até mesmo nenhuma, quando da venda ou revenda de suas obras [1]. Na ocasião, via-se que apenas os intermediários vendedores lucravam com as alienações das obras, causando injustiças aos seus autores.

Em consequência, o direito de sequência foi expressamente reconhecido no artigo 14 ter da Convenção de Berna para a Proteção para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas [2].

Ao examinar referido artigo, verifica-se que o direito de sequência se trata de direito facultativo atribuído aos signatários da Convenção de Berna, os quais, se o adotarem, terão a discricionaridade de implementar as modalidades e o valor a ser aplicado na hipótese de sua efetivação. À luz da legislação brasileira, a Convenção de Berna foi promulgada pelo Decreto nº 75.699/75, e o direito de sequência foi internalizado pelo artigo 39 da revogada Lei nº 5.988/73 e pelo artigo 38 da vigente Lei nº 9.610/98.

Segundo a norma vigente, o direito de sequência se consubstancia no direito, irrenunciável e inalienável, do artista, ou seus sucessores, de perceberem, no mínimo, 5% sobre a valorização de obras de arte ou manuscritos originais quando da sua revenda. Ainda, o vendedor ou leiloeiro da obra de arte será o depositário da quantia recebida e devida ao autor, ou seu sucessor, se não for remunerado no ato da revenda.

Mais Valia e Propriedade Artística

Costumeiramente, o direito de sequência também pode ser chamado de “direito à mais valia”, na medida em que o percentual legal incidirá sobre o aumento de preço da obra quando comparada à anterior alienação.

Ademais, a lei brasileira não estipula o valor máximo nem mínimo de cada transação para a incidência do direito de sequência, tampouco prevê o limite de revendas para sua efetivação, pelo que se infere que o percentual incidirá sobre o aumento do preço eventualmente verificável em cada revenda da obra artística original.

Sob o viés prático, o direito de sequência estende aos autores, ou sucessores, a possibilidade de acompanharem e fiscalizarem o percurso da comercialização e do destino de suas obras de arte dentre os diversos players do mercado e, por fim, de serem remunerados pelas revendas advierem. 

Nessa senda, a aplicação prática do direito de sequência per se pode ser um desafio. Afinal, todos os envolvidos nas operações de venda e revenda deverão conservar históricos que demonstrem a diferença de preços entre aquelas de modo a possibilitar a incidência do direito da mais valia.

Com relação ao objeto do direito de sequência, vale esclarecer, aqui, que, para José de Oliveira Ascensão, “o objeto do direito de sequência não é a obra, mas sim o suporte desta. Recai sobre o original, o que significa que recai sobre uma dada realidade corpórea e não sobre um bem imaterial” [3]. 

Em outras palavras, é possível depreender que o direito de sequência incide sobre a transmissão do corpus mechanicum, enquanto a proteção da criação intelectual recai sobre o corpus mysticum.

Fábio Maria De-Mattia entende que o direito de sequência consiste em um vínculo necessário “entre o autor e a sua obra, porque este vínculo será o único remanescente de direito pecuniário a favorecer o autor ou seus herdeiros, sucessores, legatários ou instituições que sejam investidas de tal direito” [4].

No tocante à natureza jurídica e considerando o previsto em lei, Silmara Chinelatto entende que o direito de sequência, no Brasil, apresenta natureza híbrida, podendo ser, ao mesmo tempo, direito moral e direito patrimonial [5]. 

Outrossim, Carlos Alberto Bittar esclarece que o direito de sequência é “dotado de duas características básicas dos direitos morais: a inalienabilidade e a irrenunciabilidade, que confere certo hibridismo à sua textura” e, conceitualmente, defende que consiste em “um reflexo patrimonial do direito autoral reconhecido ao criador de obra intelectual, que o vincular permanente, sob essa participação, à circulação da obra no mercado de arte” [6].

Em razão da faceta patrimonial, é certo dizer que o direito de sequência perdurará por toda a vida do criador da obra e por 70 anos contados de 1º de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento, em observância à regra geral do artigo 41 da Lei nº 9.610/98, o que beneficiará, inclusive, seus herdeiros e sucessores.

A Evolução do Direito de Sequência no Brasil

Nessa linha de pensamento, o Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento de que o direito de sequência tem natureza jurídica patrimonial [7].

De modo a trazer o tema para atualidade e compreendê-lo na prática jurídica, destaca-se o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, em sede do agravo de instrumento nº 2072639-84.2020.8.26.0000, que reconheceu o direito de sequência, no importe de 5% sobre a mais valia tida entre a venda e a revenda, em favor da filha-herdeira do artista Victor Brecheret em razão da revenda da obra “Mulher Reclinada”. Referido processo enriquece o debate acerca do direito de sequência, pois aborda discussões probatórias sobre se a herdeira teria ou não demonstrado a mais valia em relação às vendas anteriores.

No mais, traz-se a este artigo a existência do Instituto Nacional de Propriedade Artística Visual (INPAV), associação privada, sem fins lucrativos, fundada em 2013, que visa a defesa, arrecadação e distribuição da remuneração do direito de sequência aos seus associados artistas e sucessores.

Por fim, o direito de sequência consiste em um direito de remuneração em favor do autor, ou sucessores, incidente sobre a mais valia entre as sucessivas vendas, cuja aplicação prática depende de robustez probatória e abarca diversos players do mercado da arte em distintos momentos do caminho perseguido pela obra artística, sendo primorosa a adoção de precauções quando da venda e revendas, de modo a minimizar eventuais litígios e discussões que possam surgir.

Referências:

[1] ADOLFO, Luiz Gonzaga Silva. Estudo comparado do direito de seqüência na legislação autoral de Brasil, Alemanha, Espanha, França e Portugal. In Revista da ABPI, nº 35, jul/ago 1998, p. 18.

[2] “ARTIGO 14 ter 1) Quanto às obras de arte originais e aos manuscritos originais dos escritores e compositores, o autor – ou, depois da sua morte, as pessoas físicas ou jurídicas como tais qualificadas pela legislação nacional – goza de um direito inalienável de ser interessado nas operações de venda de que a obra for objeto depois da primeira cessão efetuada pelo autor. 2) A proteção prevista no parágrafo anterior só é exigível em cada país unionista se a legislação do país a que pertence o autor admite essa proteção e na medida em que o permite a legislação do país onde tal proteção é reclamada. 3) As modalidades e as taxas da percepção são determinadas em cada legislação nacional.”

[3] ASCENSÃO, José de Oliveira. O “direito de sequência”: sobre o preço ou sobre o aumento do preço? In Revista da ABPI, nº 101, jul/ago 2009, p. 44.

[4] DE-MATTIA, Fábio Maria. Droit de Suite ou Direito de Seqüência das Obras Intelectuais. Disponível em: <https://revistas.usp.br/rfdusp/article/view/67358/69968> Acesso em: 19 de julho de 2025.

[5] MAMEDE, Gladston; FRANCA FILHO, Marcílio Toscano; RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz (org.). Direito da arte. São Paulo: Atlas, 2015, p. 313.

[6] BITTAR, Carlos Alberto. Direito de autor. 6. ed. rev., atual. E ampl. Por Eduardo C. B. Bittar. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 79.

[7] REsp 594.526/RJ

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