Arte Indigenas & Direitos Autorais: Entrevista com Maria Helena Japiassu de Macedo

Entrevista com a pesquisadora Maria Helena Japiassu M. de Macedo, acerca do livro “Direitos Autorais Indígenas em Perspectiva: A necessidade de reconhecimento para a inclusão da diversidade no campo das artes”

Apresentamos esta entrevista com Maria Helena Japiassu M. de Macedo, pesquisadora do GEDAI/UFPR e autora do livro “Direitos Autorais Indígenas em Perspectiva: A necessidade de reconhecimento para a inclusão da diversidade no campo das artes” publicado pela editora Dialética.

A obra explora os complexos desafios enfrentados pelos direitos autorais das artes indígenas, que se encontram em constante disputa dentro do sistema jurídico atual. Analisa, também, como os fundamentos da legislação autoral, tanto internacional quanto brasileira, enraizados no pensamento iluminista e na lógica capitalista, falham em abranger as expressões culturais indígenas, que se caracterizam por uma criação coletiva e uma estética plural.

O livro conta com um prefácio de Fernanda Kaingáng, atual diretora do Museu do Índio no Rio de Janeiro, cuja trajetória e trabalho inspiraram toda a reflexão contida na obra, incitando novos panoramas de análise sobre o tema. A publicação é um desdobramento da dissertação de mestrado de Maria Helena, orientada pelo Prof. Marcos Wachowicz e co-orientada pelo Prof. Rodrigo Vieira Costa.

Nesta conversa, teremos o privilégio de ouvir a perspectiva da autora, cuja obra se propõe a evidenciar a importância de se pensar os direitos autorais indígenas a partir de suas ontologias e práticas. Ademais, busca oferecer uma análise crítica da história da arte e do sistema individualista da legislação da propriedade intelectual, destacando a necessidade de um olhar mais inclusivo e respeitoso em relação às expressões culturais indígenas.

Equipe GEDAI: Maria Helena, o seu livro, como o título evidencia, traz a afirmação de que os direitos autorais indígenas devem ser colocados em perspectiva, para possibilitar maior inclusão da diversidade de suas obras criativas no campo das artes. Por que há uma especificidade dos direitos autorais quando nos referimos às criações artísticas e intelectuais indígenas?

Autora: Primeiramente, gostaria de agradecer à Equipe GEDAI pelo convite da entrevista. Fico muito contente em compartilhar um pouco do argumento do meu livro, que, como vocês informam, deriva da pesquisa de minha dissertação de mestrado no PPGD/UFPR.

Os direitos autorais foram internacionalmente sistematizados no século XIX, em contexto de valorização da criatividade individual, de um ideal romântico do artista, em que obra de arte era tida como a expressão máxima de sua genialidade original. Não se pode também afastar a proteção dos direitos autorais daquela oferecida às editoras, beneficiárias privilegiadas do empreendimento da impressão e do serviço de circulação da obra criativa. A propriedade intelectual tem sua gênese no oferecimento desses privilégios de impressão e na valorização do indivíduo, sobretudo daquele a quem se autorizava a possibilidade de se afirmar como artista e dispor de seus direitos. Enfatizo esta questão, porque, ao longo da história, há uma ampliação dos sujeitos de direitos e, consequentemente, de sujeitos artistas. Por muito tempo, por exemplo, a autoria de mulheres, pessoas negras e indígenas esteve à margem da história da arte ocidental, por seus representantes não serem considerados sujeitos de direito perante às suas criações.

A legislação autoral brasileira ainda tem um forte cunho individualista e obedece à uma racionalidade ocidental, e as criações artísticas e intelectuais indígenas enfrentam desafios e apresentam críticas a esta normatividade. Isso porque, sejam as suas criações individuais ou coletivas, as artes indígenas trazem consigo uma dimensão ontológica coletiva. Este argumento é aprofundado no livro, mas é importante ter em mente que as artes indígenas têm um forte conteúdo político, que visa o reconhecimento de suas culturas e não apenas de suas estéticas percebidas como uma arte separada de suas formas de viver no mundo.

Equipe GEDAI: Então a legislação autoral brasileira e mesmo o sistema internacional estabelecido a partir da Convenção da União de Berna de 1886 não seriam suficientes para a proteção das artes indígenas?

Autora: Acredito que algumas questões podem ser respondidas pela atual legislação brasileira, quando pensamos que expressões artísticas individuais, com contributo mínimo de originalidade e materializadas em suportes tangíveis são protegidas independentemente de quem seja o autor. No entanto, há outras dimensões que o direito autoral não alcança. Digo isso não apenas porque há expressões coletivas, sem identificação individual de co-autoria, ou porque há àquelas que não são materializadas em suporte tangível; mas porque a proteção requerida vai além da ontologia mesmo dos direitos autorais e se encontram além dos direitos morais, enquadrados nos direitos da personalidade talvez, ou dos direitos patrimoniais de autor. Entendo que devemos pensar os direitos autorais indígenas a partir do reconhecimento de suas agências, de seus sujeitos, como direitos humanos, como direitos culturais e como correção histórica. As autorias indígenas são manifestações do protagonismo de seus sujeitos, sejam elas elas individuais ou coletivas. Isto tem muito a ver com o reconhecimento da capacidade civil plena de seus representantes, pela Constituição Federal brasileira de 1988, quando as pessoas indígenas deixaram de ser tuteladas pelo Estado e tiveram a liberdade de negociar e dispor de seus direitos, sejam quais forem. Muita gente pensa que há um modismo no meio das artes, que evidenciam as artes indígenas, que sempre estiveram entre nós, como nos chama a atenção a curadora e artista Naine Terena. Ocorre que, em realidade, esta presença recente de autores indígenas no campo das artes é consequência direta dessas conquistas tardias de direitos.

Equipe GEDAI: Podemos pensar alternativas para a proteção vigente? De que forma?

Autora: Sim, eu acredito que possamos pensar sim em alternativas para proteção vigente. A meu ver, a primeira alternativa a pensar é interpretar os direitos autorais a partir de uma exegese sistemática da legislação brasileira, iniciando-se com a consideração dos direitos fundamentais, dos direitos indígenas e dos direitos culturais. É importante, em nossa democracia, antes de mais nada, garantir mecanismos de escuta e participação das pessoas indígenas, para que, como diz Fernanda Kaingáng, a lei não seja apenas dos brancos, mas seja legítima dos grupos formadores de nossa sociedade. Não há uma arte indígena ou um tipo de autoria indígena, mas uma pluralidade de manifestações com características próprias dos 305 povos indígenas atualmente vivendo no Brasil. O Artigo 45, II, da Lei 9610/98 (Lei de Direitos Autorais) informa que os conhecimentos tradicionais devem ser resguardados do domínio público, mas não não conceitua o que é conhecimento tradicional, nem tampouco houve uma lei que disciplinou essa ressalva. Há, então, um contexto de vácuo legislativo em relação às artes indígenas, sejam elas interpretadas como conhecimentos tradicionais ou não. Escutar artistas indígenas, considerar as suas culturas e formas de organização social são primeiros passos para considerar alternativas de proteção. A inclusão da diversidade artística no campo das artes só será possível a partir dessa consideração, pois, do contrário, o que se faz é replicar normatividades ocidentais às demais culturas. No livro, sugiro a consideração do pluralismo jurídico, sugiro observar a legislação mexicana, a Constituição boliviana e equatoriana, sugiro aprender com os negócios jurídicos realizados pelos próprios artistas indígenas para ampliar o nosso horizonte sobre o tema. Uma dessas sugestões, inclusive, colocada em contraposição à lei dos brancos, é a indigenização dos direitos.

A Equipe GEDAI agradece a disponibilidade e gentileza dessa entrevista e aproveita para convidar o público à leitura! 

Agradeço também!

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *