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Do acesso e a exploração da biodiversidade brasileira: Yes, nós temos banana!!!

Do acesso e a exploração da biodiversidade brasileira: Yes, nós temos banana!!!

Não farei aqui análises pertinentes à constitucionalidade, juridicidade e a legalidade sobre a matéria do Projeto, muito embora, “coça-me os dedos”. Mas, oportunamente analise sobre o mérito do acesso ao patrimônio genético, dos conhecimentos tradicionais associados, da exploração econômica de produtos acabados decorrentes e da repartição dos benefícios, questões tributárias e de transferência e licenciamento de tecnologia será realizada em estudos específicos.

Do acesso e a exploração da biodiversidade brasileira: Yes, nós temos banana[1]!!!

Charlene de Ávila[2]

 

Não farei aqui análises pertinentes à constitucionalidade, juridicidade e a legalidade sobre a matéria do Projeto, muito embora, “coça-me os dedos”. Mas, oportunamente analise sobre o mérito do acesso ao patrimônio genético, dos conhecimentos tradicionais associados, da exploração econômica de produtos acabados decorrentes e da repartição dos benefícios, questões tributárias e de transferência e licenciamento de tecnologia será realizada em estudos específicos.

A biodiversidade brasileira é uma riqueza ímpar para ser explorada de maneira responsável e sustentável por todos os setores que fomentam inovações e mecanismos que geram propriedade intelectual.

Parece-me brincadeira se não fosse trágico a visão que o Brasil representa pelo mundo afora “muito embora possuidor da maior biodiversidade do planeta, é um mercado em potencial e não um gerador de riquezas”.

Provavelmente nossos legisladores acordaram dos seus berços esplêndidos imanados na finalidade de agregar e gerar valor a nossa conhecida “rica biodiversidade” através de um mecanismo legal e jurídico denominado “Marco legal da biodiversidade”.

O referido PL 7735 de 2014 contem 51 artigos estruturados em nove capítulos.

Um dos maiores avanços decorrentes do PL, possivelmente foi facilitar e viabilizar a pesquisa científica relativa ao patrimônio genético (não o humano) e conhecimentos tradicionais associados, estabelecendo, em momentos distintos e em situações específicas, a necessidade de cadastro, autorização ou notificação.

Em específico, o PL em seu capítulo V, refere–se à repartição de benefícios visando solucionar parte significativa das dificuldades criadas pelos entraves e pelas lacunas presentes na atual legislação impedindo a sua real efetivação.

A repartição de benefícios ocorrerá quando houver a exploração econômica de material reprodutivo ou de produto acabado, previsto na Lista de Classificação de repartição de benefícios, cujo componente do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado seja um dos elementos principais de agregação de valor.

Por assim dizer, o foco passa a ser apenas o elo final da cadeia produtiva, onde há maior agregação de valor, de forma a não inviabilizar a comercialização, e consequentemente a repartição de benefícios dos produtos, (atentando que o produto acabado ou material reprodutivo resultante de acessos distintos terá o cálculo da repartição de benefícios com base apenas em um acesso).

Polêmicas surgem em torno da isenção da repartição de benefícios para vários agentes importantes para a nossa economia, tais como microempresas e agricultores familiares, agora denominados tradicionais. Entretanto, esses agentes geram outros benefícios para a sociedade, os quais dificilmente seriam efetivados sem essa exceção.

Importante salientar também que é imprescindível fomentar políticas voltadas para o desenvolvimento das pequenas e médias empresas nacionais – afinal é de onde estão saindo boa parte das inovações.

De igual modo, a isenção é aplicada para a exploração econômica envolvendo operações de utilização de qualquer forma de direito de propriedade intelectual (licenciamento, transferência) sobre o produto acabado, processo ou material reprodutivo oriundo do acesso ao patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado por terceiro, visando estimular a geração de conhecimentos tecnológicos que, em sua maior parte, é realizada por pesquisadores na academia.

Nas atividades agrícolas, o projeto reitera que serão repartidos benefícios apenas sobre a comercialização do material reprodutivo presente no ultimo elo da cadeia produtiva, ficando isentos da repartição de benefícios às espécies introduzidas no território nacional pela ação humana, ainda, que domesticadas, exceto as que formem populações espontâneas e a variedade tradicional crioula[3].

Nos termos previstos no projeto, o acordo de repartição de benefícios poderá reduzir consideravelmente os custos de transação, vez que será exigido apenas na etapa de exploração econômica do produto acabado ou do material reprodutivo[4], ficando isentos os demais elos[5].

A eventual cobrança de direitos recairá somente em material reprodutivo, não sobre commodity, ou seja, a semente pode vir a ser objeto de cobrança, mas não o grão. (altamente questionável, principalmente sobre os prismas das leis de propriedade intelectual e cultivares).

O agricultor brasileiro e a agricultura tão esbulhados com uma série de acontecimentos e atos praticados aos arrepios da lei pelas grandes multinacionais[6] se beneficiam das medidas adotadas no PL pertinente. Cabe destacar a revogação da MPV 2.186-16 de 2001 que criminalizava a bioprospecção, inviabilizando a pesquisa agropecuária e de outras áreas em geral e, consequentemente impedindo a repartição de benefícios econômicos.

Assim, pelo PL aprovado, ficarão isentas de repartição de benefícios às espécies exóticas domesticadas, bem como as atividades econômicas destinadas á produção de alimentos, fibras, energia, insumos e outros produtos, subprodutos e derivados agrícolas, pesqueiros e florestais, exceto as populações espontâneas, a variedade tradicional local ou crioula ou raça localmente adaptada ou crioula.

Assim, não desconsiderando as lacunas existentes que poderá dar ensejo a ações de inconstitucionalidades, a aprovação do PL poderá beneficiar vários setores vitais e produtivos nacionais permitindo através de sua regulamentação:

→a eliminação de procedimentos prévios em fase preliminar de acesso a biodiversidade diminuindo a incerteza da viabilidade do negócio;

→redução de vários fatores – burocracia, custos de transação, etc.,

→incentivos à bioprospecção;

→não tributação à pesquisa,

→apoio e rastreabilidade dos produtos,

→fomento à transferência de tecnologia por meio de projetos de repartição de benefícios,

→apoio á capacitação de recursos humanos em temas relacionados à conservação e ao uso sustentável do patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado, com a possibilidade de fornecimento de produtos em programas de interesse social,

→fomento à eficiência na agricultura, com a possibilidade de geração de recursos para bancos de germoplasma;

→possibilidade de financiamento a projetos para a conservação ou uso sustentável de biodiversidade ou para proteção e manutenção de conhecimentos, inovações ou práticas de agricultores familiares, preferencialmente no local de ocorrência da espécie em condição in situ ou de obtenção da amostra quando não se puder especificar o local de origem,

→regime de repartição de benefícios.

Por fim, a biodiversidade é uma riqueza para ser explorada de maneira responsável e com isonomia regulatória. Espera-se que o PL aprovado seja constituído na prática com políticas sólidas e sindicáveis com vistas aos interesses socioeconômicos e tecnológicos da nação. O texto segue para sanção da presidente Dilma Rousseff.

 


[1] Só a banana da terra, segundo http://www.planetaeducacao.com.br/portal/artigo.asp?artigo=1001. Todas demais espécies seriam exógenas e – se não consideradas exóticas domesticadas– sujeitas a ao pagamento de royalties a título repartição de benefícios com povos asiáticos.

[2] Consultora Jurídica em matéria de propriedade intelectual e agricultura do escritório de Denis Borges Barbosa – Rio de Janeiro. e.mail: charlene@nbb.com.br

 

[3] Prevista em acordos internacionais sobre acesso e repartição de benefícios dos quais o Brasil é signatário, ressalvada aquela prevista no Tratado Internacional sobre recursos fitogenéticos para a alimentação e a agricultura – Decreto 6.476 de 2008.

[4] O PL introduz duas modalidades de repartição de benefícios. A monetária com o estabelecimento da parcela de 1% do valor da receita líquida anual obtida com a exploração econômica do produto acabado ou do material reprodutivo oriundo do acesso ao patrimônio genético. Poderá, por sua vez, ser reduzido para até 0,1% por acordo setorial celebrado pela União. No caso do acesso ao conhecimento tradicional associado identificável, o benefício a ser recebido será negociado de forma justa e equitativa entre as partes.

[5] A repartição de benefícios resultantes da exploração econômica de produto oriundo de acesso ao patrimônio genético ou do conhecimento tradicional associado para atividades agrícolas passa a ser aplicada ao último elo da cadeia produtiva de material reprodutivo, ficando isentos os demais elos. Os produtos intermediários passam a não ser considerados para fins de repartição dos benefícios, somente os produtos finais, ou seja, haverá isenção da repartição para os demais elos de cadeia de fabricação.

[6] Para saber mais vide: ÁVILA, Charlene. Apontamentos sobre a cobrança de royalties da soja RR1 e outras questões emblemáticas em propriedade intelectual. Revista da ABPI, 134, jan/fev de 2005; ÁVILA, Charlene. Da expectativa de direitos da Monsanto no Brasil sobre os pedidos de patentes da “tecnologia” Intacta RR2 PRO: Onde está de fato a inovação? Revista da ABPI, 135, mar/abril de 2015.