
A proteção marcária dos slogans: a nova política do INPI analisada comparativamente
João Pedro Dias Vidal
João Vitor Pieri Tassinari
Yasmin Taborda Agostinhaki
Introdução
Em 30 de outubro de 2024, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) revisou sua política de registro marcário, passando a permitir a proteção de slogans. Essa mudança, à primeira vista, pode ser considerada tardia.
De fato, os slogans são frequentemente elementos cruciais para a identificação da marca – finalidade precípua da proteção marcária. Ademais, promovem o aumento da competitividade, reforçam a distintividade e facilitam a identificação do produto ou serviço pelo público consumidor. Sob essa perspectiva, o presente artigo analisa comparativamente a proteção de slogans no Brasil com a de outros países. Para tanto, adota-se a classificação de Kone Fortunato, conforme citado por Felipe Simões dos Santos em “Marcas de Posição” (SANTOS, 2024).
O referido autor segmenta os países em três categorias quanto ao nível de proteção a sinais distintivos: aqueles que concedem ampla proteção (quaisquer sinais); os que oferecem proteção intermediária; e, por fim, aqueles que restringem a proteção a sinais visualmente perceptíveis. Embora tal classificação seja originalmente direcionada a sinais gráficos, sua lógica é aqui estendida para a análise do registro de slogans.
Dessa forma, serão analisados: i) os Estados Unidos (EUA), como exemplo de sistema com ampla proteção marcária; ii) a União Europeia (UE), representando um nível intermediário de proteção; e iii) o Brasil, caracterizado por uma proteção historicamente mais restrita a esses sinais.
O Registro de Slogans nos EUA
Nos Estados Unidos, a proteção marcária, incluindo a de slogans, é administrada pelo United States Patent and Trademark Office (USPTO). Os slogans podem ser registrados desde que demonstrem capacidade de identificar a origem empresarial e distinguir produtos ou serviços, requisitos alinhados aos critérios gerais para o registro de marcas.
Os principais motivos para o indeferimento de pedidos de registro de slogans incluem: i) serem meramente descritivos do produto ou serviço; ii) constituírem-se de frases de uso comum ou corriqueiras; iii) serem expressões meramente laudatórias (por exemplo, “o melhor do mundo!”).
Contudo, slogans que, embora não intrinsecamente distintivos, adquiriram distintividade pelo uso contínuo e associação com um produto ou serviço específico (secondary meaning ou distintividade adquirida) podem ser registrados.
Ademais, mesmo slogans que ainda não alcançaram o secondary meaning podem ser pleiteados para inclusão no Supplemental Register (Registro Suplementar). Historicamente, os EUA têm adotado uma postura favorável à proteção de sinais distintivos, resultando em um considerável volume de deferimentos.
Apesar de certas delimitações e de um aparente aumento de rigor ao longo dos anos, os Estados Unidos ainda podem ser considerados um país que confere ampla proteção aos slogans como marcas.
O Registro de Slogans na UE
A União Europeia concede aos slogans uma proteção que pode ser classificada como intermediária.
O European Union Intellectual Property Office (EUIPO), órgão responsável, analisa se o slogan possui caráter distintivo intrínseco ou se cumpre apenas uma função promocional.
Esse entendimento jurisprudencial, consolidado pelo EUIPO, estabelece critérios para que o slogan seja passível de proteção, tais como: possuir originalidade ou singularidade; introduzir elementos que intrigam, surpreendem ou exigem um esforço de interpretação por parte do público-alvo; e não ser uma mera mensagem publicitária genérica.
Tal posicionamento fundamenta-se, em grande parte, no artigo 7º do Regulamento sobre a Marca da União Europeia (EUTMR), que elenca os motivos absolutos de recusa de registro, sendo o principal deles a ausência de caráter distintivo.
Assim, expressões que consistam em simples adjetivos promocionais ou que descrevam características do produto ou serviço sem um mínimo de originalidade ou esforço cognitivo para sua compreensão tendem a ser recusadas.
Portanto, a UE adota uma abordagem intermediária, concedendo proteção a slogans que atendam a critérios específicos de distintividade, indo além da mera função de chamariz publicitário.
O Registro de Slogans no Brasil
No Brasil, até 30 de outubro de 2024, o registro de slogans como marca era predominantemente obstado pela interpretação conferida ao inciso VII do art. 124 da Lei nº 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), que veda o registro de “sinal ou expressão empregada apenas como meio de propaganda”.
Conforme as diretrizes para aplicação desta norma, a proibição recaía sobre sinais percebidos pelo público consumidor como tendo exclusiva atuação como meio de propaganda, sendo, por conseguinte, incapazes de exercer a função distintiva primordial de uma marca: identificar a origem de produtos ou serviços.
O indeferimento com base neste inciso ocorria somente quando o sinal, como um todo, atendia a duas condições cumulativas: exercer função de propaganda (como recomendar produtos/serviços, divulgar qualidades, transmitir valores da empresa, persuadir à ação ou destacar-se da concorrência) e, crucialmente, ser incapaz de exercer função distintiva.
Considerava-se desprovido de cunho distintivo, por exemplo, expressões publicitárias de uso comum no segmento ou aquelas desprovidas de grau mínimo de originalidade, sendo exclusivamente descritivas, comparativas, promocionais ou elogiosas. Essa restrição criava uma lacuna significativa na proteção marcária, dificultando a garantia do uso exclusivo de expressões relevantes para a identidade comercial das empresas.
Com a revisão e nova interpretação deste dispositivo, formalizada em 30 de outubro de 2024, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) passou a permitir o registro de slogans como marca.
Essa mudança de paradigma implica que, mesmo que um slogan contenha elementos inerentes à propaganda, ele poderá ser registrado se, para além dessa função persuasiva ou informativa, também apresentar capacidade distintiva suficiente para individualizar produtos ou serviços no mercado. Ou seja, a análise passou a focar se a função de propaganda é a única exercida pelo sinal ou se ele também possui, em sua origem ou pela percepção geral do conjunto, suficiente capacidade distintiva.
Assim, o slogan deve atender aos requisitos gerais de registrabilidade, notadamente não ser uma expressão publicitária genérica ou de uso comum que careça de originalidade, e respeitar o princípio da especialidade.
Em comparação com a União Europeia, tanto no Brasil (sob a nova ótica) quanto no bloco europeu, exige-se que o slogan possua distintividade, não podendo ser formado apenas com elementos puramente promocionais ou descritivos.
No Brasil, a análise do INPI verificará se o slogan já está registrado ou solicitado por terceiros para identificar produtos ou serviços na mesma classe (ou em classes afins, dependendo da análise de colidência e da notoriedade de eventual sinal anterior), em observância ao princípio da especialidade e aos direitos de anterioridade.
É relevante notar que a proteção marcária conferida pelo INPI se limita, em regra, à classe de produtos ou serviços para a qual o registro foi solicitado e concedido.
Caso uma empresa almeje uma proteção para o slogan que transcenda o âmbito marcário, baseada na originalidade da expressão como obra intelectual, pode-se cogitar a proteção via Direito Autoral, desde que o slogan cumpra os requisitos legais para tal (como originalidade e criatividade), sendo esta uma forma de proteção distinta e potencialmente cumulativa, não excludente.
Considerações Finais
A recente mudança de posicionamento do INPI sinaliza o reconhecimento da importância dos slogans como ativos de propriedade intelectual e ferramentas estratégicas para as empresas. De fato, a proteção jurídica de slogans fomenta a competitividade leal, reforça a distintividade das marcas no mercado e contribui positivamente para a dinâmica econômica.
Contudo, o presente estudo comparativo evidencia que essa alteração normativa no Brasil ocorreu de forma tardia. Enquanto os Estados Unidos e diversos países europeus já facultavam o registro de slogans como marcas há considerável tempo, o Brasil somente o viabilizou em 2024.
Essa constatação levanta a reflexão sobre a possível existência de outros entendimentos e práticas do INPI que mereceriam ser revistos, especialmente aqueles que possam estar restringindo a amplitude da proteção marcária de forma desalinhada com as tendências internacionais e as necessidades atuais do mercado.
Uma postura mais flexível e moderna do Instituto pode ser crucial para o fortalecimento da propriedade intelectual no país.
Referências
BRASIL. Lei 9.279 de 14 de maio de 1996. Código de Propriedade Industrial. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm> Acesso em: 08 abr. 2025.
INPI passará a aceitar pedidos de registro de marca com elementos de propaganda. Gov.br. Disponível em: <https://www.gov.br/inpi/pt-br/central-de-conteudo/noticias/inpi-passara-a-aceitar-pedidos-de-registro-de-marca-com-elementos-de-propaganda> 31 out. 2024. Acesso em: 09 abr. 2025.
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INPI passa a rejeitar menos registros de marcas com slogans, Consultor Jurídico. Disponível em : https://www.conjur.com.br/2025-abr-18/apos-mudanca-de-orientacao-inpi-rejeita-menos-registros-de-marcas-com-slogans/ . Acesso em: 17 maio. 2025.
SANTOS, Felipe Ferreira Simões dos. Marca de posição: aplicabilidade da tutela proprietária ao sinal identificador de prestação de serviço. Londrina: Editora Thoth, 2024.
Slogans: avaliando o caráter distintivo. European Union Intellectual Property Office – EUIPO. Disponível em: https://guidelines.euipo.europa.eu/2214311/2227903/trade-mark-guidelines/4———–5-slogans–assessing-distinctive-character-assessing-distinctive-character. Acesso em: 07 abr. 2025.
UNIÃO EUROPEIA. European Union Trademark System Review (EUTMR). Disponível em: https://eur-lex.europa.eu/legal-content/EN/TXT/HTML/?uri=CELEX:32017R1001&from=EN#d1e622-1-1. Acesso em: 08 abr. 2025.