Direitos autorais da arte de Cordel: de prática folclórica à atualidade digital
MARIA HELENA JAPIASSU MARINHO DE MACEDO
Mestranda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora no Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial – GEDAI/UFPR. Especialista em Gestão de Arte e em Capitação de Recursos pela Universidade de Boston. Especialista em Museus, Galerias e Acervos pela Universidade Positivo. Especialista em Negociações Econômicas Internacionais pelo Programa Santiago Dantas (PUC-SP/Unicamp/Unesp). Estudante do programa de MBA em Propriedade Intelectual, Direito e Arte da UCAM. Membro da Comissão de Assuntos Culturais da OAB/PR e da ABPI. Foi Vice Cônsul, chefe do setor cultural e educacional do Consulado-Geral do Brasil em Boston.
LIANNE MENDES AMORIM
Graduanda em Direito pelo UNI-RN e Pesquisadora no Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial – GEDAI/UFPR.
Introdução
A literatura de cordel foi declarada patrimônio cultural imaterial brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional — IPHAN, em 2018, e inscrita no Livro de Registro das Formas de Expressão. O gênero, que comporta o texto literário e a arte de gravura, teve origem em Portugal, concentrou-se na região nordeste do Brasil e depois foi amplamente difundido em todo o território nacional. Hoje, encontra-se também disseminado em ambiente virtual. Este artigo visa a investigar, de forma introdutória, a problematização da proteção autoral do Cordel, a partir de uma análise de sua prática de origem folclórica à atualidade digital.
Mais o que é o cordel?
A literatura de cordel é uma espécie de poesia popular, escrita de forma rimada, difundida inicialmente de forma oral, e que, posteriormente, passou a ser impressa em folheto. Em sua origem, esses eram pendurados em cordas ou cordéis para venda em locais como feiras, mercados, praças e bancas de jornal, principalmente das cidades do interior e nos subúrbios das grandes cidades. Além da impressão do texto, com o tempo, os folhetos passaram a ser ilustrados com xilogravuras (LIMA et al., 2013, p. 1).
Historicamente, a literatura de cordel tem sua origem na Europa, em Portugal, no período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna, mais especificamente no período do trovadorismo na literatura. O gênero relaciona-se com a prática de contar histórias verbalmente, oferecendo narrativas acerca de personagens heroicos, preservados na cultura popular até os dias atuais. Com o decorrer do tempo, as histórias passaram a ser escritas e impressas (NEVES, 2018, p. 17).
No Brasil, o termo “cordel” difundiu-se após 1960. Essa literatura desenvolveu-se principalmente no Nordeste, mas sua divulgação ocorria nacionalmente. A prática fez com que o gênero se tornasse basilar para a cultura nordestina, trazendo principalmente narrativas sobre costumes linguísticos do sertanejo, histórias de batalhas, amores, sofrimentos, crimes, fatos políticos e sociais do país e do mundo, assim como das “pelejas” — que são as disputas entre cantadores (LIMA et al., 2013, p. 1).
A introdução dos folhetos se deu no Brasil pelo cantador paraibano Silvino Pirauá de Lima, que, apesar das poucas oportunidades e condições financeiras para a escolarização, foi o primeiro a usar a sextilha no cordel, além de adotar a categoria de estrofes, e trazer recursos novos na época para o gênero literário. Em seguida, a dupla Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas Batista, também paraibanos, passaram a empregar os versos como regra, diferentemente do que se dava na Europa, passando a adotar formas métricas e rimas bem definidas, dando início à identidade do que se tem hoje na prática de cordel nordestina (LIMA et al., 2013, p. 3).
Além dos versos, o cordel difundido no Brasil é majoritariamente associado a algum desenho, geralmente xilogravuras. Embora possuam origens históricas distintas das dos folhetos, constituindo-se igualmente numa arte autônoma enquanto expressão estética, desde o encontro das xilogravuras com o Cordel, houve uma verdadeira simbiose entre as duas tradições (NOGUEIRA, 2018, p. 23).
Ainda em resgate ao aspecto histórico, importante destacar que o cordel por muito tempo foi entendido como manifestação coletiva e folclórica, enquadrando-se essencialmente na literatura oral (NOGUEIRA, 2018, p. 5). Essas características distanciam a proteção pelo direito autoral concebido a partir de uma criação individual, expressa em meio tangível e com data precisa de publicação.
A partir da categorização do cordel como folclore, os estudos sobre o cordel, nas décadas de 1960 e 1970, preocupavam-se menos com direitos autorais e mais com elementos de formação do patrimônio como “movimento folclórico” e “projeto e missão” na construção de uma identidade nacional (VILHENA, 1997 apud NOGUEIRA, 2018). Os cordéis eram assim coletados e registrados em pesquisas do folclore brasileiro, refletindo práticas de preservação da memória dessa literatura, operadas pelas noções de patrimônio vigentes no período. Entre essas pesquisas, destacam-se as primeiras publicações da série Literatura de Cordel em Versos, composta por catálogos, antologias e estudos sobre o tema (NOGUEIRA, 2018, p. 5)
Considerando o dinamismo da Literatura de Cordel, o folheto guarda em sua materialidade a expressão de uma tradição oral e impressa que se renova e se atualiza para além da própria poesia. Tal tradição “[…] pressupõe o compartilhamento de saberes e experiências e o uso da cultura como instrumento de luta, de afirmação de identidades e de ocupação de espaços” (NEMER, 2010, p. 8 apud NOGUEIRA, 2018, p. 24). Dessa intrínseca relação entre o oral e o impresso, o folheto representa o suporte da memória coletiva em sua relação dialógica entre o passado e o presente (NOGUEIRA, 2018, p. 24).
Cordel: “folclore” ou obra intelectual protegida por direitos autorais?
Folclore é um termo genérico, utilizado usualmente para se referir a manifestações culturais populares. No âmbito das discussões internacionais da propriedade intelectual, em organismos como a UNESCO e a OMPI, utiliza-se o termo “expressões culturais tradicionais” (ECTs), de forma substitutiva ao “folclore”, visando a tentar categorizar diversas manifestações que não se enquadram exatamente na concepção de uma obra intelectual protegida a partir do sistema internacional de direitos autorais, com base na Convenção de Berna de 1886.
A Lei de Direitos Autorais brasileira (LDA – Lei 9610/1998), inspirada na referida convenção, entende como obra intelectual protegida “as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro” (Art. 7).
A ausência do critério da fixação, muito comum em expressões culturais tradicionais, entre elas culturas populares marcadas pela transmissão oral, manteria, conforme Drummond, “a impossibilidade de identificar o momento e o sujeito responsável pela criação” (DRUMMOND, 2017, p. 65). Nesse sentido, a possibilidade da proteção autoral restaria prejudicada.
Além disso, a fixação temporal da expressão criativa é essencial para estabelecer o prazo da proteção autoral. Instrumentos de propriedade intelectual são ficções jurídicas que estabelecem um monopólio temporário de proteção, com fins últimos de benefício social, quer pela recompensa à criatividade, quer à inovação e ao desenvolvimento. No entanto, findo o prazo de proteção, visa-se a democratização do estado da arte, por meio do alcance do domínio público.
Com relação à proteção das ECTs, a LDA silencia. Não há também consenso acerca de como classificar esta categoria de expressão artística. Drummond sintetiza o entendimento acerca das ECT como sendo manifestações “inerentes às artes, cultura e denominadas ciências humanas e do espírito” (DRUMMOND, 2017, p.47), as quais teriam as seguintes características:
(1) possuem surgimento indefinido; (2) são oriundas de uma coletividade criadora e nunca de um ou mais indivíduos identificados; (3) pertencem ao domínio das artes e da cultura, excluídos, portanto, os conhecimentos relacionados às ciências da saúde e ciências biológicas; (4) são oriundas da cultura popular e nunca da cultura de massa ou erudita (DRUMMOND, 2017, p.50).
Além disso, acrescenta o elemento da tradição, entendida como “o movimento coletivo atemporal e impessoal de transferência de conhecimento, mantido vivo por parcelas da sociedade, sejam identificáveis ou não” (DRUMMOND, 2017, p.56).
Como analisado, o cordel é uma prática de literatura que se originou de forma oral e que foi, ao longo de sua história, se expressando de forma tangível material, por meio da cultura impressa de elementos textuais e visuais. A tecnologia da impressão permitiu analisar o cordel como obra intelectual protegida. Atualmente, por meio da transmissão virtual do cordel, observam-se também outras formas de fixação de suas práticas, como, por exemplo, a partir do registro de performances audiovisuais.
A reivindicação da autoria pelos cordelistas
A autoria do cordel é também objeto de contestação. Sua adequação às mudanças tecnológicas experimentadas pelo mundo, como já demonstrado, primeiro pela imprensa e depois pelo ambiente virtual, trouxeram novas perspectivas de proteção autoral.
Importante mencionar que ideias não são protegidas pelo direito autoral. Apesar de enredos serem frequentemente apropriados entre cordelistas, a simples ideia transmitida intergeracionalmente não enseja a proteção autoral. Assim, enquanto cultura eminentemente oral, o cordel não era protegido por meio do direito autoral. Outros elementos relevantes para a proteção autoral são a originalidade da obra e a identificação e individualização do criador.
A LDA entende que “autor é a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica” (Art. 11) e estatui que “pertencem ao autor os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que criou” (Art. 22). Os direitos morais são indisponíveis como, por exemplo, o direito à atribuição de autoria, ao ineditismo, à integridade da obra (Art. 24). Com relação aos direitos patrimoniais, tratam-se daqueles disponíveis, como o de utilizar, fruir e dispor da obra (Art. 28). A cessão seria uma modalidade de disponibilidade dos direitos patrimoniais, por exemplo (Art. 49).
Quando se observam práticas de fixação do cordel por meio da literatura impressa, surgem conflitos com relação aos direitos morais e patrimoniais do autor. Junior e Cipriano citam a tipografia de cordel no nordeste brasileiro como ambientes de conflito a respeito de noções de propriedade e autoria. Conforme os autores “percebemos que, mormente no Brasil, ocorrerá uma gradual e difusa relação de mercado entre os editores e autores, surgindo a partir desta rede dialógica as noções de autor proprietário, editor proprietário, editor proponente, autor etc” (JUNIOR, CIPRIANO, 2016, p. 3).
Ao longo da história do cordel, era comum observar a publicação sem a devida atribuição de autoria aos seus criadores, demonstrando a apropriação indevida pelas tipografias de direitos morais e patrimoniais de autor. Isso ocorria majoritariamente porque os cordelistas tinham condições precárias de alfabetização, muitas vezes, trazendo histórias, mas desconhecendo a escrita e consequentemente seus direitos; outras vezes porque as obras dos cordelistas eram feitas sob encomenda das tipografias, caracterizando modalidade contratual diferente da cessão de direitos patrimoniais.
Ademais, existia, por vezes, rivalidades entre autores que publicavam em uma mesma tipografia. Para evidenciar a paternidade sobre suas obras, os autores utilizavam-se de práticas criativas, como “por meio do emprego de acrósticos — marcas de propriedade, uma espécie de assinatura do autor em forma rimada, aplicada ao final dos cordéis —, bem como nos manifestos das quartas capas, que exteriorizavam a indignação dos autores, supostamente prejudicados pela cópia indiscriminada de suas obras” (JUNIOR, CIPRIANO, 2012, p. 8). O uso dos acrósticos ganhou tanta importância prática que parece ter sido a forma mais utilizada contra a repressão do plágio.
A gerência dos direitos autorais relacionados aos poetas populares e suas obras passaram a ser, portanto, um fator de relevante preocupação, visto que se tornaram objeto de violações constantes. Em síntese, a origem dos problemas concentrava-se no desconhecimento dos poetas sobre a existência de direitos protetivos sobre suas produções artísticas, dos trâmites de registros necessários para a proteção de seus escritos, ou de como proceder diante de situações de plágio.
O desconhecimento acerca dos direitos autorais inicia-se, por exemplo, na confusão acerca do momento em que uma obra começa a ser protegida. Conforme a LDA, a proteção autoral dispensa a necessidade de registro (Art. 18, LDA), nascendo a partir da divulgação da obra pelo autor. O registro é apenas facultativo. Sobre a situação, o cordelista Manuel Monteiro aponta que:
Possui alguns cordéis registrados, não todos, mas as tenho registradas, mesmo que indiretamente, por exemplo, se eu tenho uma obra e ela é publicada no jornal, então dessa eu já fico despreocupado, pois ela indiretamente já tem um registro, porque se eu precisar a qualquer momento comprovar eu já tenho isso pra provar que era meu. (Manuel Monteiro) (LIMA et al., 2013).
Apesar de não obrigatório, o registro do cordel por meio do depósito na Biblioteca Nacional é também uma maneira de preservar a cultural nacional, evitando que se perca o conteúdo dos cordéis, assim como sua relação com o autor (LIMA et al., 2013).
Cultura popular e patrimônio imaterial cultural
A literatura de cordel perpassa, dessa forma, a esfera da simples escrita, atingindo também de maneira significativa a seara cultural, mostrando-se parte da cultura popular e adquirindo relevância de patrimônio cultural imaterial no Brasil. O processo de registro do cordel como patrimônio cultural imaterial junto ao IPHAN foi amplamente participativo. Este foi requerido pela Academia Brasileira de Cordel (ABLC) por meio do Centro de Folclore e Cultura Popular (CNFCP), subscrito por 85 poetas, demonstrando o intento de patrimonializar um bem intimamente relacionado com a cultura tradicional e popular até a sua inscrição em um dos quatros Livros de Registro (IPHAN, 2000).
Para tanto, durante o processo, inúmeras análises documentais e de pesquisa foram realizadas, mobilizando interessados e atendendo a exigências legais. Estas que impactaram de modo expressivo o projeto, pois resultaram na formação de um vultoso banco de dados sobre o cordel (MENESES, 2019, p. 226).
Meneses (2019, p. 236), em seu parecer como conselheiro do IPHAN acerca da solicitação de registro da literatura de cordel, destacou as variadas dimensões que ensejariam no reconhecimento cultural da literatura de cordel, sobressaindo a seguinte reflexão:
Quando se fala da dimensão histórica do cordel, costuma-se de imediato pensar na sua capacidade de representar os processos de transformação da sociedade nacional e principalmente do que virá tardiamente (pós 1940s) a ser denominado Nordeste. Por certo estou me referindo a uma certa atitude vulgar muito presente. Assim, frequentemente o cordelista é apresentado como porta-voz do povo, portanto uma via de acesso para quem quiser conhecer esse povo. É fora de qualquer dúvida que o cordel é, sim, via de acesso indispensável para o conhecimento da realidade histórica do Nordeste e do restante do país.
Percebe-se, desta forma, a grande relação cultural do cordel com a sociedade brasileira, em especial do Nordeste, local onde se consolidou e passou a representar patrimônio de grande valia.
Cordel em contexto digital: novos desafios
Diferentes tecnologias afetaram a dinamicidade da tradição do cordel. Assim como ocorreu a mutação da tradição oral para a de folhetins impressos, os cordéis passam por mais uma adequação, dessa vez ao ambiente virtual. Com a divulgação do cordel na internet, a difusão dos escritos tornou-se mais rápida, alcançando um público maior. O ambiente virtual diversificou também as formas de manifestação dos cordéis, que passaram a ser cantados, lidos e performados, muitas vezes sendo publicados em plataformas como o YouTube, recuperando traços da oralidade e da performance, por meio de registros sonoros e audiovisuais.
A partir dessas novas possibilidades de expressões, ampliou-se a dimensão jurídica protetiva do cordel. Não apenas os “direitos do autor” propriamente dito são relevantes, mas também aqueles que lhes são conexos, ou seja, os direitos assegurados àqueles que acrescentem valor à obra como intérpretes e executantes (LIMA et al., 2013, p. 8).
Ao perceber a ampla difusão do cordel por meio do ambiente virtual, é um pensamento comum imaginar a diminuição ou até extinção dos folhetins impressos. No entanto, o que se verifica é uma espécie de hibridismo, em que o cordel em papel é produzido não mais em larga escala, como anteriormente, devido ao baixo custo de produção, mas de uma maneira que torna cada versão impressa mais intimista, especial e limitada. Um exemplo disso é a produção de edições especiais para colecionadores, as quais possuem toda uma fabricação voltada para o público-alvo, que busca o produto individualizado. Percebe-se, inclusive, uma valorização de edições artesanais, recuperando elementos tradicionais dos modos de fazer, frente à homogeneização de publicações de massa.
Com o advento de novas tecnologias, é interessante mencionar também o caso da Biblioteca Virtual Cordel (BVC) da Universidade de Poitiers, a qual possibilitou a digitalização de cerca de 6 mil folhetos da coleção de Poitiers para ampla divulgação online (RIAUDEL, 2019, p. 277). Atualmente o acervo reúne cerca de 4 mil folhetos, constituindo a maior coleção francesa e uma das maiores coleções europeias de literatura de cordel brasileira, mesmo com alguns folhetos de outros países como Portugal e França (UNIVERSIDADE DE POITIERS, [s.d.]).
A digitalização dos cordéis pela BVC possibilitou mais uma forma de valorização do patrimônio cultural e permitiu maior acesso a publicações. Junto ao desejo de ampliar o uso do acervo e expandir a consulta ao pesquisador e ao grande público, trouxe também preocupações no tocante ao respeito dos direitos autorais relacionados aos escritos e ilustrações presentes nas peças (RIAUDEL, 2019, p.277). A esse respeito, a BVC adotou, como maneira de diminuir práticas violadoras de direitos autorais, estatutos de consulta virtual. Um desses estatutos possibilita o acesso completamente livre a folhetos já em situação de domínio público. Para folhetos ainda sob a proteção autoral, a consulta é restrita.
Como estratégias de pesquisas restritas e respeito à proteção autoral, a BVC disponibiliza a capa dos folhetos e oferece a possibilidade de pesquisa por palavra, concedendo o acesso a um número de versos restritos em torno da ocorrência. Ainda, sugere a instalação de um sistema de senha para pesquisadores credenciados, de modo a não ultrapassar o princípio de acesso limitado para o grande público (RIAUDEL, 2019, p. 277).
Riaudel ressalta que a busca por reconhecimento dos direitos autorais dos cordelistas não inicia na era digital, mas advém de um período anterior, demonstrando ainda certa dissonância de tratamento em relação a outros tipos de escritores:
Associados a uma expressão popular, os autores de cordel sempre buscaram o reconhecimento de sua arte, aspiração sinalizada por diversos procedimentos: a imitação das capas de livro; a criação de academias à imagem da cultura erudita, ou da cultura tout court, na definição francesa da palavra “cultura”; a busca de uma consagração universitária… Há muito tempo, também, que os cordelistas reivindicam um tratamento igual ao dado aos demais escritores (2019, p. 278).
Apesar do impasse quanto aos direitos autorais reservados aos cordelistas, Riaudel informa que a divulgação de suas obras demonstra-se inevitável na era digital, sendo essencial a adoção de boas práticas como as aplicadas por centros como o de Poitiers (RIAUDEL, 2019, p. 293).
Conclusão
Este estudo teve como objetivo analisar, de forma incipiente, os direitos autorais do cordel, compreendendo este gênero literário desde a sua prática originária à contemporaneidade. Verificou-se que o cordel é uma cultura originalmente portuguesa que se consolidou no Brasil, sobretudo na região nordeste, tomando dimensões identitárias e sociais próprias. A relevância do cordel à cultura brasileira levou ao seu reconhecimento como patrimônio imaterial pelo IPHAN.
Percebeu-se que os direitos autorais dos cordelistas não foram sempre valorizados e respeitados ao longo da história. O sistema de direitos autorais, consolidado a partir da Convenção de Berna de 1886, e abraçado pela legislação brasileira, teve como prioridade a proteção de criações individuais, impressas em suportes materiais tangíveis e intangíveis.
O cordel é manifestação cultural que ultrapassa a configuração material. Sua literatura é marcada pela oralidade, pela transmissão intergeracional, por modos de expressão tradicionais. Essas características contribuíram, inclusive, para o seu reconhecimento de patrimônio cultural imaterial.
Se, ao longo da história, o cordel passou da oralidade para a impressão de folhetins, trazendo conflitos acerca do direito autoral entre cordelistas e entre esses e os tipógrafos, a realidade contemporânea de suportes de expressão virtuais amplia a gama de direitos autorais e conexos a serem protegidos. Vislumbra-se, assim, a existência de um longo trajeto ainda a percorrer para alcançar a devida proteção dos direitos autorais para os cordelistas, seja em razão da visão cultural “folclórica” que permeia a literatura de cordel, seja pelo dinamismo provocado na atualidade digital.
REFERÊNCIAS
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NOGUEIRA, A. G. R. O registro do Cordel como patrimônio imaterial e as políticas de preservação da cultura popular no Brasil. Anos 90, [S. l.], v. 25, n. 48, p. 181–212, 2018. DOI: 10.22456/1983-201X.82985. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/anos90/article/view/82985. Acesso em: 16 maio. 2022.
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