Dia mundial da Propriedade Intelectual: PI sob a ótica das novas tecnologias
JÚLIA KIRCHNER DE FREITAS
Graduanda em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisadora no Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial – GEDAI/UFPR.
LUIZ FELIPE MAGNAGNAGNO
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisador no Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial – GEDAI/UFPR.
PAULO SCHROEDER BORGES
Graduando em Direito pela Universidade Federal do Paraná. Pesquisador no Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial – GEDAI/UFPR.
O Dia Mundial da Propriedade Intelectual de 2022 teve como temática a importância dos jovens na inovação. Os autores aqui fazem uma resenha do evento online comemorativo à data que o GEDAI promoveu em 26 de abril, e destaca a pluralidade de discussão a respeito do tema.
Conforme já reconhecido por uma série de intelectuais, a sociedade atual não é mais uma sociedade moderna, mas uma sociedade pós-moderna, caracterizada pelo fim da crença nas metanarrativas (LYOTARD, p. xvi), discursos totalizantes que pretendem explicar a condição do ser humano nos mais diversos campos – como o marxismo e o iluminismo, e a substituição destes grandes relatos por narrativas fragmentadas e locais, onde a legitimação dos saberes não ocorre mais de acordo com uma verdade absoluta estabelecida por determinados autores, como seria o caso da ciência moderna, mas segundo a lógica do desempenho com a formação de consensos validados pelos resultados trazidos por esse saber para determinada instituição ou empresa.
Trata-se em um primeiro momento de um saber voltado para o poder com a valorização de seu valor de troca, como mercadoria necessária para o processo produtivo (LYOTARD, p. 4), em detrimento de seu valor de uso. Assim, os conhecimentos produzidos por centros de estudos tornaram-se intimamente ligados aos agentes particulares, como grandes empresas, que passaram a investir na produção de conhecimento com o intuito de acumular capital informacional e permitir a expansão de seus negócios formando uma íntima relação entre inovação e mercado. Contudo, Jean-François Lyotard, intelectual francês, acredita existir uma possibilidade de saída dessa espiral de performance, na medida que os diferentes conhecimentos construídos por meio do dissenso são reconhecidos como paralogias (LYOTARD, p. 108), ou seja, os saberes produzidos devem ser reconhecidos não somente por sua capacidade de gerar resultados úteis, mas também pela sua aptidão de gerar novas ideias, desconhecidas até então pelo sistema e que só poderiam ser desenvolvidas em uma sociedade pós-moderna, onde o consenso produzido pelas metanarrativas já não existe mais.
Essa nova natureza da produção e divulgação do saber é fruto do uso massivo das Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) e do conseqüente ambiente digital gerado por esses meios de transmissão de informação, um ciberespaço de interatividade entre pessoas de todo o mundo, onde os indivíduos passaram a ter mais poder de criação e troca de informações e as posições de usuário, criador e consumidor de conteúdo se centralizaram em uma única pessoa se distinguindo dos velhos mecanismos de criação e distribuição dos bens intelectuais, no qual grupos privilegiados detinham o monopólio sobre a produção dos saberes. Tais elementos, na visão do sociólogo Manuel Castells, constituem um modo de desenvolvimento específico, o informacional, cuja característica específica é a utilização das tecnologias informacionais para a melhoria da produção de novos conhecimentos e processamentos da informação como fontes de produtividade (CASTELLS, p. 54) definindo uma estrutura social específica, a sociedade informacional. Desse modo, a sociedade informacional se demonstra ser essencial para a formação da sociedade pós-moderna não sendo possível afirmar uma modificação no estatuto do saber sem considerar o desenvolvimento das TICs.
Assim, os jovens, como principais utilizadores destas novas tecnologias, passaram a desenvolver uma forma distinta de se relacionar com o conhecimento e a inovação, dado a sua natureza pós-moderna, em relação aos saberes antigos como era o caso do conhecimento desenvolvido na modernidade, caracterizado pelas suas pretensões universais. Nesse contexto, a palestra da doutora Beatriz Bugallo durante o evento do Dia Mundial da Propriedade Intelectual, realizado pelo Grupo de Estudos de Direito Autoral e Industrial (GEDAI) no dia 26 de Abril de 2022, é certeira ao refletir sobre o papel da Propriedade Intelectual na relação existente entre os jovens e inovação, concluindo sobre a necessidade de pensar novas formas de regulação das propriedades intelectuais. A propriedade intelectual e os direitos autorais possuem em sua origem como discursos legitimadores de sua existência a constatação da sua importância para o desenvolvimento cultural e econômico da sociedade, fato reconhecido pela Dra. Bugallo ao tratar sobre a força da propriedade intelectual, mas que não pode ser compreendido sem considerar o outro aspecto da propriedade intelectual: seu equilíbrio. O equilíbrio da propriedade intelectual se demonstra essencial porque a regularização dos bens intelectuais não pode ser absoluta, permitindo o monopólio da informação por grupos específicos e atrofiando o processo criativo das comunidades e indivíduos.
Com isso a nova juventude, imersa em um ambiente digital formado pelos distintos tipos de bens intelectuais, como os memes da INTERNET; os softwares e os Remix de músicas (bens ligados a essa nova forma de criação de saberes característica da pós-modernidade) possui uma relação muito distinta com os direitos autorais valorizando uma maior flexibilização e até mesmo reestruturação da regulamentação das propriedades intelectuais tanto em âmbito nacional quanto internacional, mudança necessária para a continuação e incentivo do processo criativo sob pena de, conforme já previa Lyotard (p.120), voltar a servir aos interesses de grupos econômicos particulares dentro de uma lógica do desempenho, onde só é considerada inovação aquilo que gera resultados eficazes para o sistema.
Além do problema relacionado com as atuais relações desenvolvidas entre a juventude e as novas tecnologias, outros palestrantes apontaram a necessidade de se repensar em alguma medida os sistemas de proteção das propriedades intelectuais como é o caso de Ben Cashdan, influente produtor, escritor e economista. Na fala dele nota-se um destaque no que o autor define como “Copyright Fight” na África do Sul, sendo essa luta pautada em uma ânsia de renovar o cenário nacional no que diz respeito à legislação de direitos autorais. Para Cashdan, o monopólio dado aos criadores da obra mediante a propriedade intelectual, é justo, porém há um problema quando intermediários, “right holders” e as organizações de gestão coletiva, adquirem o monopólio das propriedades intelectuais, pois esses mecanismos de monopólio tendem a manter os preços altos para os usuários ao mesmo tempo em que remuneram mal os criadores.
Ademais, o economista ainda afirma que o poder do monopólio encoraja precificações excludentes, especialmente em sociedades desiguais, a exemplo do livro “Nelson Mandela Long Walk to Freedom”, que nos Estados Unidos e no Reino Unido custa US$ 10.15, enquanto que na África do Sul chega a custar US$ 21.70, pesando muito mais no bolso do consumidor, e mesmo assim não remunerando adequadamente o criador da obra. Sendo assim, nota-se a dificuldade, pela qual passam os sul-africanos com menor poder aquisitivo no que diz respeito ao acesso à informação.
Tendo em vista o supracitado, Ben explica que houve uma proposta de reforma de copyright na África do Sul que visava: balancear as necessidades dos criadores e dos usuários, com royalties justos e uso justo; apoiar a inovação e a educação; e regulamentar as organizações de gestão coletiva, além de outros intermediários. Além disso, dentro dessa proposta havia um projeto de lei que buscava uma exceção do copyright, priorizando o direito à educação ao permitir o direito de se fazer cópias de livros didáticos quando: o livro didático não estiver sendo impresso; o dono do direito não puder ser encontrado; as cópias autorizadas da mesma edição do livro didático não estiverem à venda na República ou não possam ser obtidas por um preço razoável, conforme o preço normalmente cobrado na República por trabalhos comparáveis.
A proposta supracitada foi aprovada pelo parlamento, mas nunca se formalizou como lei por motivos de pressão externa, vinda principalmente dos Estados Unidos da América e da União Europeia, visando a não aprovação da lei pelo presidente sul-africano. Deste acontecimento surgiu a hashtag “#TextbooksAreTheNewMedicines” que veio ganhando força, tanto em redes sociais, com uma força ativa da juventude, quando em movimentos e protestos presenciais.
Congruentemente, a coalizão de grupos de interesse responsável pela hashtag, o ReCreate South Africa, milita desde então visando a aprovação das reformas de copyright, defendendo que essas, além de modernizarem as leis de copyright sul-africanas, ainda: expandirão as oportunidades educacionais no país; tornarão acessíveis os livros para pessoas com deficiências visuais (indo de acordo com o Tratado de Marraquexe de 2013); e assegurarão a liberdade de expressão e o jornalismo independente.
Sendo assim, nota-se aqui uma conexão forte entre a Carta da Liberdade da África do Sul e a coalizão supracitada, pois ambos buscam a equidade na educação e a descolonização do país. Tendo em vista que, o parecer da Aliança Internacional de Propriedade Intelectual, responsável por reprovar a reforma almejada, é imbuído de fortes intenções coloniais, pois os próprios Estados Unidos da América possuem legislação similar à proposta, mas os mesmos reprovam a adoção desta por parte da África do Sul.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. 8. ed. rev. e ampl São Paulo, SP: Paz & Terra, 2005. 698 p.
LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. 8.ed Rio de Janeiro, RJ: J. Olympio, 2004. 131 p.
Evento: Dia Mundial da Propriedade Intelectual – 26 de abril de 2022