A Urgência do Compliance na Indústria do Streaming
A URGÊNCIA DO COMPLIANCE NA INDÚSTRIA DO STREAMING
Autora: Cristina Baum
Resumo: O artigo discute a relevância do compliance na indústria de streaming musical, utilizando como exemplo o caso de fraude envolvendo o uso de inteligência artificial para gerar músicas e manipular reproduções em plataformas como o Spotify, com o objetivo de obter royalties de forma fraudulenta. Em resposta a esse esquema, o Spotify implementou melhorias em seus sistemas de detecção de fraudes, revisou políticas de pagamento e colaborou com outras empresas para combater manipulações de streaming. No setor musical, o compliance é apontado como essencial para a proteção dos direitos de propriedade intelectual, garantindo um ambiente mais justo tanto para artistas quanto para consumidores. Essas práticas fortalecem as empresas ao prevenir violações, proteger ativos intangíveis e promover transparência, além de estabelecer uma sólida governança corporativa que contribui para a competitividade e reputação no mercado.
IA Gera Músicas e Lucro Milionário em Streaming.
Em setembro de 2024 o jornal The New York Times publicou que Michael Smith, um músico da Carolina do Norte, foi formalmente acusado pela procuradora dos Estados Unidos da América (EUA), de um esquema de fraude envolvendo o uso de inteligência artificial (IA) para criar músicas e artistas falsos com o objetivo de ganhar royalties de plataformas de streaming, como o Spotify, a Apple Music e a Amazon Music. Ao longo de sete anos, de 2017 a 2024, o acusado acumulou cerca de 10 milhões de dólares enganando essas plataformas com músicas que ele mesmo criou ou gerou com o emprego de IA, eliminando quase completamente o elemento humano.
Esquema de Fraude com IA no Streaming Musical.
A procuradoria dos EUA, ao explicar o esquema, narra que Michael Smith utilizou um software para simular bilhões de reproduções de suas músicas, que tinham títulos igualmente peculiares, como por exemplo “Zygotic Washstands”, e eram criadas em grande volume para garantir que o catálogo de Smith crescesse rapidamente.
Contudo, em vez de depender de ouvintes reais, utilizou-se de bots que criavam ouvintes falsos, disfarçados como usuários reais. Com isso, ele foi capaz de gerar uma vasta quantidade de royalties, aproveitando-se dos modelos de pagamento das plataformas de streaming. Para viabilizar o esquema, o músico criou e geriu 10 mil contas falsas de e-mail, comprados online ou gerados por ele mesmo.
Para garantir que suas músicas fossem constantemente reproduzidas, o Michael Smith também desenvolveu um software que automatizava as reproduções por meio de bots, fazendo parecer que suas músicas estavam sendo ouvidas por usuários de diversas partes do mundo. Esses bots reproduziam as faixas de forma contínua, aumentando o número de streams e, consequentemente, os royalties recebidos por Smith.
O acusado tentou expandir seu catálogo de músicas reais para aumentar os ganhos, mas, ao perceber que isso era limitado, uniu-se com co-conspiradores ligados a empresas de IA e à indústria musical para criar “músicas instantâneas” geradas por algoritmos. Essas faixas eram carregadas semanalmente em serviços de streaming, e Michael Smith calculava meticulosamente as reproduções necessárias para garantir altos lucros diários.
No ano de 2017, Michael Smith estimou que poderia tocar suas músicas mais de 660 mil vezes por dia, o que lhe geraria mais de 3.000 dólares diários em royalties. Ele esperava acumular mais de 1,2 milhão de dólares em um ano, apenas com essas reproduções automatizadas. Para não ser detectado pelas plataformas de streaming e camuflar suas atividades fraudulentas, ele espalhava as reproduções por um grande número de músicas, de modo que nenhuma faixa individual se destacasse por ter reproduções anormalmente altas.
Já em 2018, Michael Smith expandiu o esquema ao unir forças com outros cúmplices, incluindo um executivo de uma empresa de IA e um promotor musical. Juntos, eles criaram ainda mais músicas falsas e carregaram milhares de faixas semanalmente nas plataformas de streaming. Smith referia-se a essas criações como “música instantânea”, destacando o caráter automatizado e superficial da produção musical gerada por IA.
Neste mesmo ano, uma distribuidora de música informou ao músico que havia recebido denúncias de abuso de streaming. Smith respondeu negando as acusações de maneira agressiva, alegando que as acusações eram “erradas e loucas” entretanto, continuou com o esquema.
Michael Smith chegou a se gabar que em 2024 alcançou 4 bilhões de reproduções e acumulado mais de 12 milhões de dólares em royalties, porém seu esquema foi revelado neste ano quando foi preso, acusado de fraude eletrônica e conspiração para lavagem de dinheiro, tornando-se um dos primeiros casos criminais envolvendo manipulação de streaming musical com uso de IA, tornando-se o primeiro caso estadunidense deste porte.
Respostas das Plataformas de Streaming ao Esquema Fraudulento.
O Spotify, diante do aumento dos casos de fraude de streaming, tem implementado diversas estratégias para mitigar o impacto dessas atividades fraudulentas em sua plataforma. No entanto, apesar dos números expressivos do esquema de Michael Smith, o Spotify informou que foi responsável por menos de 1% do montante fraudulento, cerca de 60 mil dólares (0,6%) dos 10 milhões de dólares gerados.
A plataforma tem investido desde novembro de 2023 significativamente tanto em análises automatizadas quanto manuais para detectar e prevenir atividades suspeitas. Esses sistemas combinam inteligência artificial com a supervisão humana para identificar irregularidades nos padrões de reprodução, limitando assim o impacto de fraudes. Esse processo de detecção foi crucial para o controle do caso em tela, evidenciando a eficácia dos sistemas implementados pela empresa.
Além disso, o Spotify tomou uma medida importante ao bloquear o acesso a certas faixas manipuladas. No ano de 2023, a plataforma detectou a manipulação de streams em músicas criadas pela plataforma de IA conhecida como Boomy e, suspendeu a execução dessas faixas. Esse tipo de ação demonstra o compromisso da empresa em agir rapidamente contra conteúdos fraudulentos.
Outro aspecto fundamental foi a alteração no modelo de pagamento de royalties. O Spotify revisou sua política para incluir penalizações financeiras direcionadas a distribuidores de música, como as gravadoras, cujas faixas sejam identificadas como fraudulentas. Essa mudança visa não apenas coibir a prática, mas também desincentivar economicamente as tentativas de manipulação de reproduções.
A plataforma também se uniu suas concorrentes e empresas do setor musical para formar a Music Fights Fraud, uma aliança dedicada ao combate à fraude de streaming. Essa iniciativa colaborativa busca integrar esforços entre diferentes players da indústria para compartilhar informações e desenvolver estratégias conjuntas contra a fraude.
Além disto, o Spotify tem trabalhado em parceria com empresas especializadas em detecção de fraudes, como a Beatdapp. Essa colaboração é essencial para enfrentar um problema que, segundo estimativas, custa à indústria musical global cerca de 2 bilhões de dólares por ano. A parceria com empresas de tecnologia avançada ajuda a reforçar a capacidade da plataforma de identificar e combater essas atividades fraudulentas de maneira mais eficiente.
Importância do Compliance na Proteção da Propriedade Intelectual no setor musical.
Tais ações, que se pode chamar de Compliance, que em inglês significa cumprir, demonstram o comprometimento da plataforma de streaming Spotify com a integridade do seu ecossistema, promovendo um ambiente mais seguro e justo tanto para artistas quanto para consumidores que possuem o acesso a faixas musicais de graça.
Priscila Werner explica que compliance é uma série de medidas internas a serem adotadas por um determinado agente econômico para prevenir ou minimizar os riscos de violação às leis que disciplinam a sua atividade ou caso alguma violação seja identificada, ter a capacidade de corrigi-la de forma imediata. Passa-se a ser monitorado juntamente com o risco regulatório, a fraude, o combate à corrupção e o combate à lavagem de dinheiro; código de ética e conduta; gestão de contratos; políticas, procedimentos e processos internos; riscos trabalhistas, segurança do trabalho, previdenciários e tributário; práticas contábeis; sustentabilidade; aspectos tecnológicos, informação privilegiada e conflitos de interesse.
A autora aponta que, especificamente no direito da propriedade intelectual, o compliance é essencial para proteção dos ativos intangíveis – como é a música para o setor fonográfico – para que a empresa se desenvolva tecnológica e economicamente diferenciando-se dos seus concorrentes na disputa por mercado.
No caso do Spotify, que ocupa um lugar de destaque no mercado de streaming musical, tais cuidados revelam-se primordiais para os artistas que disponibilizam suas músicas na plataforma. Este recorte se justifica pelo fato dos serviços de streaming da plataformas se encontrarem no centro de uma intensa disputa sobre como o pagamento de direitos autorais deveriam ser calculados, arrecadados e distribuídos, já que também não há supervisão humana, apenas algoritmos, desprovidos de critérios e de transparência, realizando tais operações.
Logo, é necessário adotar práticas robustas de compliance, combinada com uma política de propriedade intelectual bem estruturada e eficiente, apoiada pelos profissionais adequados, que traz inúmeros benefícios para uma empresa. Isso capacita a organização a prevenir e identificar riscos de compliance e regulatórios, além de proteger a alta administração, seus ativos de propriedade intelectual, sua imagem e reputação corporativa. Adicionalmente, promove uma maior competitividade e atratividade para o negócio, defendendo a empresa de perdas, fraudes e abusos. Também facilita um alinhamento mais sólido com os objetivos estratégicos, tornando a empresa proativa, ao implementar boas práticas de governança corporativa e, por fim, alinhando-a com as tendências globais.
Referências:
COLEMAN, Maia. North Carolina Man Charged With Using AI to Win Music Royalties. The New York Times, Nova York, 5 set. 2024. Disponível em: https://www.nytimes.com/2024/09/05/nyregion/nc-man-charged-ai-fake-music.html. Acesso em: 22 out. 2024.
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SPOTIFY. Modernizing Our Royalty System to Drive an Additional $1 Billion toward Emerging and Professional Artists. Publicado em: 21 de nov. 2023. Disponível em: https://artists.spotify.com/blog/modernizing-our-royalty-system/. Acesso em: 22 out. 2024.
TENCER, Daniel. Music Business Worldwide. Spotify: fomos responsáveis por menos de 1% dos US$ 10 milhões gerados em caso de fraude de streaming nos EUA. 12 de set. 2024. Disponível em: https://www.musicbusinessworldwide.com/spotify-we-accounted-for-less-than-1-of-10m-generated-in-us-streaming-fraud-case/. Acesso em: 22 out. 2024.
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WERNER, Priscila Costa e Silva. A importância do compliance no cenário atual e a propriedade intelectual. Migalhas, 10 abr. 2017. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/253789/a-importancia-do-compliance-no-cenario-atual-e-a-propriedade-intelectual. Acesso em: 22 out. 2024.