Indicações Geográficas e Mineração

Luiz Paulo Dammski e Lígia Loregian Penkal

A atividade de mineração impacta não apenas interesses entre particulares, como, talvez em maior medida, o próprio interesse público e da coletividade. Isto se dá por uma série de motivos que perpassam a questão do impacto ambiental da atividade de mineração, o eventual choque com áreas de interesse urbanístico, histórico e, até mesmo, cultural.

Para a presente reflexão, todavia, limita-se a discussão à questão da rigidez locacional da mineração e de sua relação com a satisfação do interesse público, relacionando com o instituto das indicações geográficas para um maior controle a respeito da origem de produtos de origem mineral e das condições de trabalho neste ramo da economia.

 

Mineração, rigidez locacional, regulação e segurança jurídica

Como se sabe, em decorrência de previsão expressa do artigo 20, IX da Constituição Federal, todos os recursos minerais, inclusive aqueles existentes no subsolo de propriedades particulares, pertencem à União Federal. Por conseguinte, o aproveitamento de todo e qualquer minério existente na superfície ou no subsolo depende de prévia autorização da União Federal, independentemente da propriedade da superfície do solo.

Para que tal autorização se dê – normalmente por intermédio de uma concessão pública – uma plêiade de normas deve ser observada ao longo do competente processo administrativo que tramita, atualmente, perante a Agência Nacional de Mineração. Para o presente ensaio, todavia, tais particularidades serão postas de lado em prol de uma reflexão relacionada ao desafio da regulação com relação ao impasse entre rigidez locacional e a fiscalização inerente à atividade regulatória desempenhada pela Agência Nacional de Mineração.

Primeiramente, cumpre pontuar o significado aqui compreendido por rigidez locacional, correspondente à inviabilidade de alteração da localização geográfica e geomorfológica de uma determinada jazida mineral, viabilizando a exploração de um determinado minério em local diverso do globo terrestre. Trata-se, portanto, da necessidade de definição precisa da jazida, sendo impossível aproveitamento em local diverso.

Um dos papeis do processo administrativo que desagua no título autorizativo que viabilizará a exploração de um determinado minério é, justamente, a definição geográfica precisa dos limites de exploração deste recurso natural. Uma vez feita tal definição, não é lícito ao minerador realizar a atividade de mineração em local diverso, sob pena de descumprir normas tanto do âmbito do Direito Minerário quanto do Direito Ambiental e, potencialmente, Penal.

Para os intervenientes deste ramo econômico – indústria de transformação, construção civil, produtores de agregados, empreiteiros, indústrias de concreto e asfalto, joalheiros e, até mesmo, consumidores finais –, portanto, é de suma importância a existência de métodos hábeis a definir a segurança de uma transação realizada com um minerador. 

Adquirir minério de um produtor que o explore de forma ilícita ou fora dos limites autorizados pela Agência Nacional de Mineração coloca o adquirente na delicada posição de corresponsável de ilícitos administrativos, cíveis e criminais em conjunto com o minerador que iniciou a prática do ilícito.

Em que pese ser relevante a prática atualmente adotada na indústria minerária – de verificação da simples existência de títulos autorizativos por parte do minerador –, parece pouco mais que evidente a necessidade de criação de mecanismos mais seguros e efetivos de rastreabilidade da origem do minério, o que certamente traria não apenas segurança aos envolvidos, como maiores níveis de conformidade ambiental e, consequentemente, proteção ao meio ambiente.

Mecanismos de indicação geográfica, neste particular, teriam o condão de permitir a todos os envolvidos da cadeia produtiva e, até mesmo, ao produtor final, maior controle a respeito da origem de produtos de origem mineral ou, ainda, que têm em sua composição minérios. Ademais, viabiliza ainda o conhecimento preciso da origem geográfica, o que permitiria melhores índices de controle da própria qualidade da matéria prima utilizada em determinado produto. 

 

Importância das Indicações Geográficas

As Indicações Geográficas são uma forma de propriedade intelectual que consiste em um sinal distintivo do comércio, um importante instrumento de valorização de um produto ou serviço oriundo de uma determinada região ou localidade. Com o registro de uma IG, o uso do seu nome passa a ser exclusivo dos produtores e prestadores de serviço da localidade geográfica objeto de proteção. 

O Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (INPI) conceitua indicações geográficas (IG’s) como sinais distintivos do comércio, que identificam a origem geográfica de determinado produto ou serviço, que passa a ter o reconhecimento de que este provém de uma determinada região geográfica. Juridicamente, o instituto das IGs “visa assegurar a efetividade da proteção contra fraudes, usurpações e outros modos de concorrência desleal, além de fornecer resguardo aos consumidores, acerca da procedência coerente de um dado produto ou serviço”.

O titular do registro de uma IG é o próprio território, ou seja, a IG tem uma propriedade coletiva, o que traz elementos específicos para este instituto e denota a sua relação com estratégias de desenvolvimento territorial sustentável. Durante o processo de reconhecimento de uma IG, o pedido é solicitado por um substituto processual, que pode ser um sindicato, uma associação, um instituto ou uma pessoa jurídica de representatividade coletiva, com legítimo interesse e estabelecida no respectivo território, mediante o preenchimento de formulário próprio. Após a obtenção do registro, este permanece em vigor enquanto o produto ou serviço apresentar as suas características específicas

Um exemplo de indicação geográfica mineral é a região de Pedro II, no Piauí, que apresenta as condições necessárias para a formação de opalas preciosas, estima-se que levaram aproximadamente 60 milhões de anos para se formar e há uma reserva geológica de cerca de 1.200 toneladas de opalas brutas em Pedro II, com registro de IG no INPI, em 2012. 

As opalas dessa região apresentam um jogo de cores característico, produzido pela difração da luz branca, através de uma estrutura ordenada de microesferas de sílica, são utilizadas em joias artesanais junto com ouro, prata e tucum. Os artesãos de Pedro II desenvolveram características próprias, criando um design e uma identidade característicos, que valorizam os colares, pingentes, brincos e aneis produzidos artesanalmente. 

 

O papel do Sebrae nas indicações geográficas minerais

A mineração em Goiás tem se beneficiado significativamente do apoio do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), especialmente na profissionalização do setor. Ao mencionar as famosas Pratas de Pirenópolis, Esmeraldas de Campos Verdes e Cristais de Cristalina, percebe-se o impacto do trabalho realizado pelo Sebrae na organização e profissionalização dos pequenos produtores dessas regiões.

O Sebrae participou ativamente de diversos eventos de mobilização social para a construção do Plano Estadual de Recursos Minerais (PERM), incluindo reuniões em Pirenópolis, Barro Alto, Cristalina e Porangatu. De acordo com João Luiz Prestes Rabelo, Gestor Estadual de Indicações Geográficas, a instituição apoia os produtores de joias e artesanato em Goiás, ressaltando que o Sebrae facilita a sustentabilidade dos negócios, ao atuar como um elo entre os artesãos, o governo, instituições de ensino e pesquisa.

Willian Francisco Souto, presidente da Associação dos Artesãos de Cristalina, elogia o trabalho do Sebrae na região, especialmente na busca pela certificação dos cristais como indicação geográfica, o que valoriza ainda mais o comércio de joias da cidade. Os eventos coletivos, como a Mostra do Cluster de Joias, também merecem destaque para fomentar e divulgar o comércio local.

Luiz Triers, presidente da ACEAPP, considera o momento atual como único para os artesãos. Segundo ele, a proposta do cluster é um marco na produção de joias, incentivando a extração e produção regulamentada de joias com esses minerais. Ele destaca a facilidade em obter matéria-prima com procedência e a união entre os municípios produtores. “O projeto proporcionou apoio governamental e reconhecimento do mercado”, afirma Triers, que também visa a criação de um curso de joalheria em Pirenópolis para formar mão-de-obra qualificada.

Desde 2019, Pirenópolis possui o registro de indicação geográfica para suas pratas, enquanto Campos Verdes e Cristalina estão em fase de organização para obter o mesmo reconhecimento. Em Pirenópolis, o processo de estruturação do cluster de joias está avançado: este modelo exige a colaboração entre empresas do setor e uma cultura colaborativa entre os participantes, o que permite a melhoria da qualidade das joias para atender ao mercado externo. Além disso, está sendo criada uma ligação maior entre as três regiões produtoras de joias, promovendo eventos conjuntos e até mesmo a produção de joias utilizando matéria-prima das cidades envolvidas.

 

Considerações finais

A indicação geográfica desempenha um papel primordial na valorização dos produtos locais, promovendo uma identidade coletiva que destaca a singularidade e a qualidade dos produtos de determinada região. O processo de reconhecimento de uma indicação geográfica envolve a documentação das características dos produtos e da localidade, bem como a pesquisa para respaldar o pedido, o que permite a rastreabilidade da origem do minério, propiciando segurança e maiores níveis de conformidade ambiental e, consequentemente, proteção ao meio ambiente.

A contribuição do Sebrae é fundamental para o fortalecimento e profissionalização do artesão mineral, pois a instituição propicia a organização dos produtores, boas condições de trabalho e facilita a sustentabilidade dos negócios, ao atuar como um elo entre os artesãos, o governo, instituições de ensino e pesquisa. Esse apoio ajuda a fortalecer a infraestrutura necessária para que os produtos locais obtenham e mantenham a indicação geográfica.

Entretanto, a obtenção do título de indicação geográfica não é suficiente por si só. É preciso promover a governança do setor, estabelecer uma precificação adequada e combater o garimpo ilegal para garantir a sustentabilidade e a profissionalização do setor. Ressalta-se que adquirir minério de um produtor que o explore ilicitamente ou em desacordo com os limites autorizados pela Agência Nacional de Mineração enquadra o adquirente como corresponsável pelos ilícitos administrativos, cíveis e criminais em conjunto com o minerador que iniciou a prática do ilícito. 

O combate à exploração ilegal de minérios é muito importante para proteger a autenticidade e a reputação dos produtos, garantindo que os benefícios da indicação geográfica sejam plenamente concretizados, tanto em termos econômicos, quanto sociais e culturais para as regiões com exploração mineral.

 

Referências:

BALESTRO, Moisés e SANTOS, Wellington Gomes dos. Estado e mecanismos de imputação de valor na construção de mercados de qualidade. Anais do 46º Encontro anual da ANPOCS. Unicamp, 2022.

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Responsabilidade civil ambiental e a jurisprudência do STJ. Cadernos Jurídicos. São Paulo, ano 20, n. 48, p. 54.

PERM-GO Plano Estadual de Recursos Minerais de Goiás. Indicação geográfica e cluster de joias: caminhos para o crescimento da mineração. 

PIMENTA, Isabela de Castro Lucas. Servidão Minerária: Instrumento jurídico para a instalação de sistemas de alerta de emergência com barragens de mineração em imóveis de terceiros. In FREIRE, William. Direito da Mineração. 2 ed. Belo Horizonte: Editora Instituto dos Advogados de Minas Gerais, 2023.

INPI. Indicações geográficas: Módulo 5, 2021. 

SEBRAE e INPI. Indicações geográficas brasileiras: artesanato. Página 50-53. 2ª. ed. Brasília: SEBRAE, INPI, 2016. 

SEBRAE. IG – Pedro II. 

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