Inteligência Artificial Redefine Autoria e Direitos Autorais no Mundo

Autor: Victor Habib Lantyer

Resumo: A inteligência artificial (IA) generativa está desafiando a noção tradicional de autoria e os direitos autorais ao criar conteúdos autônomos sem intervenção humana. No Brasil, a Lei de Direitos Autorais só reconhece a autoria humana, o que gera um vácuo legal para criações feitas por IA, levantando a necessidade de reformas legislativas. Outros países, como o Reino Unido e a União Europeia, têm abordagens variadas, mas enfrentam o mesmo dilema sobre como proteger essas obras. No cenário global, especialistas sugerem alternativas, como considerar as criações de IA como domínio público ou atribuir direitos ao programador ou usuário da IA. A disseminação de conteúdo gerado por IA também desafia a rastreabilidade e o reconhecimento de autoria, provocando debates éticos. Diante desse contexto, surge a necessidade de novas regulamentações que equilibrem inovação tecnológica e proteção dos direitos dos criadores humanos.

 

Desafios Legais da Autoria e Originalidade em Obras Geradas por IA.

A inteligência artificial (IA) generativa está revolucionando nossa compreensão de autoria e direitos autorais. Ela levanta questões sobre quem deve ser considerado o autor de obras criadas por algoritmos. Tradicionalmente, a legislação de direitos autorais, tanto internacional quanto nacional, baseia-se na ideia de autoria humana, conforme estabelecido pela Convenção de Berna e refletido na legislação brasileira.

No Brasil, a Lei de Direitos Autorais (Lei nº 9.610/1998) define o autor como pessoa física, excluindo a possibilidade de uma IA ser considerada autora. Isso cria um vácuo legal para obras geradas autonomamente por sistemas de IA, suscitando debates sobre a necessidade de reformas legislativas. A legislação brasileira pressupõe que originalidade e criatividade são inerentes ao processo intelectual humano. Como a IA gera conteúdo único sem um processo criativo humano, isso desafia o conceito de originalidade estabelecido na lei.

A originalidade é um critério crucial para a proteção de uma obra sob direitos autorais, exigindo que seja fruto do intelecto e criatividade humana. A legislação brasileira, assim como em outros países, não reconhece obras criadas inteiramente por processos automáticos, pois não envolvem criatividade individual. Nos Estados Unidos, decisões judiciais como o caso Naruto v. Slater afirmam que apenas seres humanos podem ser autores, excluindo obras geradas por IA de proteção autoral direta.

Por outro lado, o Reino Unido adota uma abordagem mais flexível. A Copyright, Designs and Patents Act 1988 permite que obras criadas por computador sejam protegidas, atribuindo a autoria à pessoa que fez os arranjos necessários para a criação. Essas obras recebem proteção por 50 anos a partir da data de criação, em contraste com os 70 anos concedidos a obras de autores humanos.

Essa abordagem visa incentivar o uso e desenvolvimento de tecnologias de IA, fazendo parte da estratégia nacional de IA do governo britânico. No entanto, levanta questões sobre a aplicação do conceito de originalidade em obras criadas por máquinas. A originalidade é tradicionalmente associada a habilidades humanas, como julgamento e criatividade. Alguns argumentam que proteger direitos autorais de obras geradas por IA pode desvalorizar a criatividade humana e dificultar o acesso a novas formas criativas.

O governo britânico está considerando três possíveis ações: manter o status quo, se a proteção atual mostrar efeitos positivos; remover completamente a proteção autoral para essas obras; ou manter a proteção, mas reduzir seu prazo, permitindo que terceiros utilizem as obras mais cedo.

Na União Europeia, a Diretiva de Direitos Autorais de 2019 visa harmonizar as leis de direitos autorais entre os Estados-membros. Contudo, não aborda diretamente quem detém os direitos autorais de obras criadas por IA, atribuindo a titularidade ao indivíduo que cria a obra. Há propostas para um novo quadro legal que criaria uma categoria de “autoria de IA”, atribuindo direitos ao desenvolvedor ou usuário do sistema, mas isso ainda não foi formalmente adotado.

Nos Estados Unidos, a Lei de Direitos Autorais protege “obras originais de autoria” fixadas em um meio tangível. Não há disposições específicas sobre obras geradas por IA. Recentemente, o Escritório de Direitos Autorais dos EUA propôs regulamentações para esclarecer a elegibilidade de obras contendo material gerado por IA, enfatizando a necessidade de contribuição humana significativa.

Na China, embora a Lei de Direitos Autorais não mencione especificamente obras geradas por IA, os tribunais têm concedido proteção dependendo do grau de envolvimento humano. Em casos envolvendo a Tencent, tribunais reconheceram direitos autorais em obras geradas por IA quando houve evidências de atividades intelectuais humanas. No entanto, a proteção de obras criadas inteiramente por IA sem intervenção humana significativa permanece incerta.

No Brasil, a discussão é ainda mais complexa devido à ausência de regulamentação específica sobre IA. Especialistas propõem diferentes abordagens para preencher essa lacuna. Uma proposta é tratar a IA como uma ferramenta, atribuindo os direitos autorais ao programador ou ao usuário que instrui a IA. Outra sugere criar uma personalidade jurídica para a IA, permitindo que assuma direitos e deveres, incluindo a titularidade de direitos autorais.

Há também a ideia de que obras geradas por IA deveriam ser consideradas de domínio público, já que a IA não possui intencionalidade ou consciência criativa. No entanto, essa proposta é problemática para empresas e indivíduos que investem em IA para gerar conteúdo original. A falta de proteção legal poderia desencorajar a inovação e o investimento.

A questão se torna mais intrincada quando consideramos que a IA é treinada com vastas quantidades de dados, incluindo obras protegidas por direitos autorais. Casos recentes ilustram artistas alegando que suas obras foram usadas indevidamente para treinar modelos de IA, resultando em violações de direitos autorais. No contexto brasileiro, isso poderia ser considerado uma violação direta dos direitos dos criadores, mas a aplicação da lei à IA ainda é pouco explorada.

 

Perspectivas Internacionais e Propostas para Regulamentação da IA na Propriedade Intelectual.

Além disso, a disseminação viral de conteúdo gerado por IA na internet agrava os problemas de autoria e atribuição. Essas obras se espalham rapidamente, tornando difícil rastrear a origem e garantir a aplicação dos direitos autorais. Isso desafia a ideia tradicional de autoria, pois o trabalho de um autor humano pode ser replicado e difundido por IA sem reconhecimento ou compensação, levantando questões éticas significativas.

Diante desse cenário complexo, surgem propostas para uma nova estrutura legal que acomode as nuances da criação por IA. Uma abordagem possível é a criação de um direito conexo aos direitos autorais que reconheça tanto a contribuição humana quanto a autonomia da IA.

 

Autoria Digital e a Necessidade de Estrutura Legal para a IA Generativa.

A inteligência artificial generativa desafia profundamente as noções tradicionais de autoria e direitos autorais. A legislação vigente foi desenvolvida quando a criação artística e literária estava ligada ao esforço humano. O surgimento de sistemas de IA capazes de gerar obras autônomas coloca essa premissa em xeque.

Enquanto alguns países buscam adaptar suas leis para incluir criações por IA, oferecendo proteção autoral com restrições, outros ainda procuram um equilíbrio entre inovação e preservação dos direitos humanos. No Brasil, a ausência de regulamentação específica gera incertezas sobre quem deve ser considerado o autor dessas obras e se elas deveriam ser protegidas por direitos autorais.

A situação é agravada pelo fato de que as IAs se baseiam em conjuntos de dados que incluem obras protegidas por direitos autorais. Isso levanta preocupações sobre o uso dessas criações sem reconhecimento ou compensação aos autores originais. A rápida disseminação de conteúdo gerado por IA na internet dificulta ainda mais a aplicação dos direitos autorais.

Diante desse cenário, é evidente a necessidade de um debate aprofundado e multidisciplinar. O futuro das criações de IA deve ser delineado por uma estrutura legal que reconheça a complexidade da autoria digital. É fundamental encontrar um meio-termo que proteja a criatividade humana e incentive a inovação tecnológica. A IA representa uma poderosa ferramenta que, se bem regulada, pode coexistir de maneira justa e equilibrada com os interesses dos criadores humanos.

 

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