Noções sobre Inteligência Artificial e Propriedade Intelectual na contemporaneidade.
Autor: Lucas Ramires Pêgo
Resumo: O texto explora a evolução da inteligência artificial (IA), desde o conceito de “Teste de Turing” de Alan Turing, até a IA generativa, capaz de criar conteúdos inéditos a partir de dados existentes. Atualmente, a IA tem aplicações em diversos setores, incluindo o Direito, com sistemas que auxiliam na gestão de processos judiciais. Contudo, a automação levanta questões éticas e jurídicas, especialmente em relação aos direitos de propriedade intelectual (PI) sobre obras criadas por IA. No Brasil e em outras jurisdições, a legislação de PI geralmente exige autoria humana para proteção legal, gerando desafios sobre a titularidade e proteção das criações produzidas de forma autônoma pela IA. Assim, a expansão da IA gera novos dilemas e a necessidade de adaptações legais para equilibrar inovação e direitos autorais.
Noções iniciais sobre Inteligência Artificial.
Acredita-se que o termo Inteligência Artificial (IA) tenha sido cunhado por McCarthy, em 1955, quando afirmou que “todo aspecto de aprendizado ou qualquer outro aspecto da inteligência pode, em princípio, ser tão precisamente descrito que uma máquina pode simulá-lo”. Naquela época, a tecnologia de computação ainda era incipiente, com computadores maiores e menor capacidade de realização de tarefas.
Hoje, com máquinas que realizam atividades muito mais complexas, surge a chamada IA generativa, que tem a capacidade de criar novas informações a partir de conjuntos de dados preexistentes. Essa IA possui a capacidade de, por meio de uma base de dados, gerar novos, semelhantes àqueles inicialmente analisados.
Aplicações e Desafios da IA na Sociedade Contemporânea.
Assim, o que se tem visto são preocupações trazidas por essas novas tecnologias, seja com a concentração de informações e conhecimento cada vez mais intensa, seja com as eventuais violações aos direitos de propriedade intelectual. Parece ser um contexto bastante crítico e delicado o que se enfrenta.
Com efeito, quanto mais são delegadas partes importantes de processos decisórios complexos para máquinas (se não a totalidade desses processos), mais se indaga se quem delega pode assumir a responsabilidade legal pelo resultado e/ou se quem delega tem capacidade crítica para avaliar aquele resultado, para entender as suas limitações e fazer as devidas complementações e contextualizações.
Falar de IA nos dias atuais é considerar que a tecnologia abarca todos os âmbitos da vida, desde auxiliando uma diarista em suas atividades domésticas como um assessor judiciário na gestão de processos em uma Serventia no Poder Judiciário, por exemplo. Em relação à aplicação da IA ao Direito, já não é novidade o número de iniciativas de sua utilização para a gestão de processos, distribuição, catalogação e até mesmo sugestão de decisões. É possível mencionar os sistemas concebidos e adotados pelo Superior Tribunal de Justiça desde 2019, o Sócrates, o Athos e o e-Juris.
Todavia, vários desses sistemas de IA foram colocados em prática sem maiores cuidados, ou transparência – talvez imbuídos daquele otimismo que moralmente cerca a utilização de novas tecnologias e sem as devidas considerações sobre os riscos e os perigos atrelados a elas.
De acordo com Sichman, tal otimismo se justifica por uma conjunção de três fatores fundamentais: i. o custo de processamento e de memória nunca ser tão barato; ii. o surgimento de novos paradigmas, como as redes neurais profundas, possibilitados pelo primeiro fator e produzindo inegáveis avanços científicos; e iii. uma quantidade de dados gigantesca disponível na Internet em razão do grande uso de recursos tais como redes e mídias sociais. Tal entusiasmo, entretanto, tem sido acompanhado por uma série de temores, sendo um deles a indagação se o ser humano fará parte do futuro.
Levando em consideração o seu potencial inovador, e sopesando os desafios enfrentados com o desenvolvimento da IA na vida das pessoas, bem como quais caminhos a sociedade está tomando diante deste agente que, de fato, já impacta diretamente a forma de trabalhar, relacionar-se e comunicar, este artigo traz noções sobre o que é a IA e sua relação com a Propriedade Intelectual (PI).
Ao realizar apontamentos sobre a IA na contemporaneidade, Paulichi e Wolowski ensinam que Alan Turing é considerado um dos principais precursores da Inteligência Artificial. O matemático desenvolveu uma linguagem artificial que serviu de base para o desenvolvimento da IA – ramo da ciência da computação que se dedica ao estudo, desenvolvimento de algoritmos e sistemas capazes de simular a capacidade humana de aprendizado, raciocínio e tomada de decisão. Guitarrara reputa a IA como atuante na reprodução de padrões de comportamento semelhantes ao humano por dispositivos e programas computacionais. Em vista disso, a IA se preocupa em criar programas de computador capazes de realizar tarefas que normalmente exigiriam da inteligência humana para serem executadas.
De maneira análoga, entende Oliveira que a IA é uma área da Ciência da Computação, mas se encontra também no limite de outras áreas científicas, como a Matemática, a Psicologia, a Filosofia, a Biologia e a Medicina.
Segundo Cossetti, em sua essência, a IA permite que os sistemas tomem decisões de forma independente, precisa e apoiada em dados digitais. Por uma ótica otimista, ela é capaz de multiplicar a capacidade racional do ser humano de resolver problemas práticos, simular situações, pensar em respostas ou, de forma mais ampla, potencializar a capacidade de ser inteligente. Segundo a autora, os economistas intitulam a IA como a Quarta Revolução Industrial, marcada pela convergência de tecnologias digitais, físicas e biológicas, o que possibilita grandes mudanças na maneira como pessoas e empresas se relacionam com a tecnologia, compartilham dados e tomam decisões.
Ainda, Damilano registra que a Quarta Revolução Industrial se distingue em razão da sua capacidade de superar fronteiras físicas, biológicas e digitais, tendo a inteligência artificial como um de seus fundamentos.
Inteligência Artificial e a Questão da Propriedade Intelectual.
Ao salientar alguns dos diversos dilemas da IA na contemporaneidade, Tenório aponta que os algoritmos já fazem parte da vida humana e, em alguns casos, ditam para onde a humanidade vai, que caminhos serão tomados, o que será lido ou consumido culturalmente, dentre outros aspectos. Mas o que acontece quando esse algoritmo passa a criar produtos artísticos? Quais são os entraves jurídicos enfrentados por essa tecnologia quando atrelada aos direitos de propriedade intelectual pelo mundo?
Antes de se aprofundar nessas questões, é indispensável esclarecer o que vem a ser um algoritmo. Conforme ensina Sichman, um algoritmo nada mais é do que uma sequência finita de ações que resolve um certo problema. Uma receita culinária, como a de um risoto, constitui um algoritmo. Assim, um algoritmo pode resolver problemas de tipos bastante diferentes: cálculo estrutural (projeto de uma ponte), processamento de dados (geração de uma folha de pagamentos) ou planejamento (definição de um pacote de turismo).
Verifica-se que a IA é capaz de processar uma imensa quantidade de dados e informações em frações de segundo que demandariam muito mais tempo se realizadas por um ser humano, consoante ensinamentos de Paulichi e Wolowski. Todavia, paira a preocupação quanto aos eventuais danos que o avanço dessa tecnologia pode acarretar como, por exemplo, a violação aos direitos fundamentais e até mesmo impasses envolvendo a propriedade de marcas ou patentes criadas por esses robôs, sendo inclusive conhecidos alguns casos em que a IA foi utilizada para auxiliar meios de violação de direitos de propriedade intelectual.
De uma forma geral, a PI é a soma dos direitos relativos às obras literárias, artísticas e científicas, às interpretações dos artistas intérpretes e às execuções dos artistas executantes, aos fonogramas e às emissões de radiodifusão, às invenções em todos os domínios da atividade humana, às descobertas científicas, aos desenhos e modelos industriais, às marcas industriais, comerciais e de serviço, bem como às firmas comerciais e denominações comerciais, à proteção contra a concorrência desleal e todos os outros direitos inerentes à atividade intelectual nos domínios industrial, científico, literário e artístico.
Quando se pensa em inovação, PI e IA, alguns questionamentos podem ser feitos. Assim, indaga-se: o resultado da utilização da IA se qualifica como uma obra ou uma invenção para efeitos de proteção pela via da PI? Nesse ponto, é necessário pontuar que a IA pode ser entendida como um programa de computador, consoante disciplina a Lei n.º 9.609/1998 (Lei de Software), que dispõe sobre a proteção da PI de programa de computador, sua comercialização no país, e dá outras providências. Também, seguindo o Acordo sobre Aspectos dos Direitos de Propriedade Intelectual relacionados ao Comércio, conhecido como TRIPS (em inglês, Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights), não há dúvidas de que o software também possui proteção jurídica.
Contudo, quando se fala da criação feita pela IA, a questão da proteção se torna um pouco mais complexa. Isso porque tanto para a Lei n.º 9.610/1998 (Lei de Direito Autoral), quanto para a Lei n.º 9.279/1996 (Lei da Propriedade Industrial), pressupõe-se que as criações protegidas por referidas leis são inventadas por um ser humano. Assim, para o que é criado pela IA falta um requisito básico para se efetivar a proteção: a criação humana.
O artigo 11, da Lei de Direitos Autorais, diz expressamente que o autor é a pessoa física criadora da obra literária, artística e científica. Já o artigo 6º, da Lei da Propriedade Industrial, também é bastante claro quando trata da questão da pessoalidade da invenção, dispondo que ao autor de invenção ou modelo de utilidade será assegurado o direito de obter a patente que lhe garanta a propriedade. De tal fato surge a questão: de quem, então, seria a titularidade de uma obra, invento, criado com a IA?
Segundo Manhães, o autor humano não tem domínio sobre as ações e as produções da IA, uma vez que a máquina, agora, cria de forma independente ao que o criador do programa elaborou. O desafio, então, é saber a quem atribuir a autoria da obra. Aponta a autora que apenas pessoas físicas são reconhecidas por lei como autoras de obras, de forma que a obra criada por meio de uma inteligência artificial seria atribuída ao seu desenvolvedor, cuja participação no processo criativo pode ser ínfima ou mesmo nula, havendo ainda a opção de criar uma pessoa jurídica para robôs. Cesário, Lima e Vicente entendem que a IA tem um autor que é pessoa natural e um titular que pode ser pessoa física ou jurídica. Nesse sentido, afirmam que esses seriam também titulares da propriedade industrial criada pela IA.
Diante da ampliação de técnicas e aplicações que se utilizam de IA cresce também a preocupação com a proteção da inovação, garantindo retorno aos investimentos efetuados nesse campo, uma das formas de proteção da IA se dá pelo patenteamento de invenções. Somado a isso, além das invenções que utilizam a IA como uma ferramenta, ou seja, a IA como uma parte da solução para obter um resultado, também é possível existir novas criações, como obra de arte, vídeos, sons gerados por IA.
De todo modo, com o uso cada vez mais patente da Inteligência Artificial, diversos âmbitos da sociedade são afetados e englobados com essa tecnologia. Até aqui foi possível notar que a IA é bastante interligada nos cenários artísticos, literários, artísticos, tecnológicos, jurídicos e rotineiros de uma maneira geral, trazendo vantagens e dilemas para aqueles que atuam nesses âmbitos.
Referências:
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