O Bloomen e a gestão de direitos de autor de obras musicais
Rose Marie Rocha da Cunha
Mestre pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa,
Pesquisadora do GEDAI/UFPR
Introdução
O calcanhar de Aquiles da indústria musical e a grande parte dos conflitos gerados entre os titulares do direito patrimonial de autor são advindos do gerenciamento de direitos autorais e alocação de royalties. Isso se deve pela histórica falta de transparência na distribuição desses direitos, bem como o número de partes interessadas envolvidas. Aliado à falta de transparência e ao grande número de interessados cujas porcentagem de direito são distintas, há uma desorganização no gerenciamento desses direitos e inexistência de comunicação entre as partes. O Bloomen apresenta soluções para esses problemas que acompanham a indústria da música desde o boom do vinil e do Compact Disc e que se acentuou com o streaming.
O que é o Bloomen
O Bloomen blockchain é um sistema que integra vários aplicativos de gerenciamento de direitos autorais e gestão de mídias digitais como música, vídeos e fotos. O intuito deste projeto financiado pela União Europeia é entregar, em um só lugar, soluções em gestão de negócios, resolução de conflitos e o mais importante, gestão de pagamento através de pagamentos confiáveis e rápidos para criadores de conteúdo e detentores de direitos autorais.
O Bloomen nasceu em setembro 2017 e durante três anos explorou todas as possibilidades que a tecnologia blockchain pode oferecer no que tange ao gerenciamento de ativos advindos de mídias digitais.
Os parceiros do consórcio são empresas/universidades especialistas em setores chave para o desenvolvimento do Bloomen, seja provienientes da indústria, comunicação ou de IT e konw-how de dados. Cada parceiro contribuiu com propostas de negócios com alto nível de inovação e principalmente com elevada excelência em pesquisas com o intuito de viabilizar o projeto e entregar um sistema operacional e eficiente em relação ao seu desiderato (BLOOMEN, 2020).
Uso da Blockchain
Porque escolheram a tecnologia blockchain da Etherium? Segundo os desenvolvedores do Bloomen, a tecnologia blockchain demonstrou, até o momento, versatilidade, segurança e ao mesmo tempo a transparência necessária para se tornar o novo motor de crescimento da economia digital, possibilitando o desenvolvimento de aplicações distribuídas em diversas áreas e domínios. Desde a sua gênese, a tecnologia ultrapassou os objetivos iniciais para o qual fora criado se desvinculando das criptomoedas para ser utilizado em vários setores além do financeiro, como gestão portuária, gestão de dados e gestão de propriedade intelecutal. Tudo isso é possível tendo em vista as características inerentes da tecnologia blockchain como descentralização, confiabilidade e escalabilidade (KAPSOULIS 2020). No texto original dos pesquisadores, estes incluem o termo “não-adulteração” ou “imutabilidade”, entretanto, após o ataque dos 51% em agosto de 2020 não é possível confirmar de forma absoluta a não-adulteração do blockchain, principalmente das blockchains privadas (MARINHO, 2020).
O Bloomen apresenta uma arquitetura distribuída, para criação, compartilhamento e consumo de conteúdo digital baseado em blockchains, facilitando a criação, desenvolvimento e consumo das mídias digitais e se adapta aos novos modelos de negócios da indústria de mídia moderna, apresentando um alto grau de versatilidade e resposta às necessidades do negócio digital.
Os primeiros desafios do Bloomen na gestão de direitos autorais
O primeiro desafio do Bloomen foi apresentar soluções para problemas antigos da distribuição de direitos autorais na indústria da música. Um exemplo disso é a caixa preta dos royalties da música. Quando uma obra é executada e não é possível a sua identificação e cruzamento de dados entre a obra musical e os detentores dos direitos patrimoniais, seja porque não foi registrada nas entidades correspondentes ou por erro na identificação, todo o valor arrecadado referente as suas execuções públicas são destinadas para uma conta denominada “caixa preta” (RETHINK, 2018).
A “caixa preta” dos royalties é um termo utilizado na indústria fonográfica para designar os royalties que estão pendentes de pagamento ao titular dos direitos, mas que não é realizado por não ser possível identificar quem tem o direito de receber esse pagamento. Nesse caso, as entidades e associações de gestão sabem que a música foi tocada, mas não sabem a quem pagar (RETHINK, 2018).
Diante disso, o Bloomen oferece um suporte e um ecossistema que permite uma distribuição mais justa, transparente e eficiente dos royalties, gerenciando os direitos de autor de obras musicais através da criação de um banco de dados global com informações que podem ser usadas por Organizações de Gestão Coletiva (CMOs) para distribuir royalties de forma mais rápida, transparente e eficiente (BLOOMEN, 2020).
Embora a transformação digital tenha aumentado o consumo de música, a distribuição de royalties ainda é lenta, cara e muitas vezes imprecisa. A solução oferecida pelo Bloomen para a distribuição de royalties é fundamentada em um processo rápido e ágil, desde a declaração de titularidade dos direitos até a distribuição instantânea de informações atualizadas para todas as partes interessadas.
As principais características trazidas pelo Bloomen Music são transparência, confiabilidade, rastriabilidade, eficiência, descentralização e um sistema de resolução de conflitos on line.
Com um aplicativo exclusivo para resolução de conflitos, as partes interessadas podem dirimir todas as questões relativas ao plágio musical, conflitos envolvendo porcentagens de pagamento devidas, dispensa de entidades terceiras (KAPSOULIS 2020)
Os conflitos são resolvidos mediante reinvidicações inseridas pelos usuários no sistema referente a dererminada música. Todas as reivindicações referente a uma música enviadas pelo blockchain são organizadas em smart contract, que inclui informações como titular e status, percentual dos direitos, as datas de início e término dos direitos, os territórios de validade dos direitos e o tipo de direitos (KAPSOULIS 2020)
O Bloomen utiliza o algarítimo CheckClaimStatus que verifica as revindicações e se há conflitos entre elas por meio de interações e verificação realizada em todas as reivindicações referente a cada música. As revindicações são verificadas quanto à violação de direitos autorais ou não e se a própria reivindicação é legítima com base em um quorum privado (KAPSOULIS 2020).
Além disso, o Bloomen prioriza a praticidade através de carteiras móveis que utilizam chaves criptográficas, micropagamentos através de smart contracts e gerenciamento total da account pelo o seu gestor, ou seja o titular dos direitos de autor de determinada obra.
A arquitetura do Bloomen
A arquitetura do Bloomen é composta por três camadas distintas, mas que se comunicam. A primeira camada é “cara” do Bloomen, responsável pela interface e interação inicial com os usuários. É nesta camada que o usuário tem acesso ao portal da aplicação, atualizações de informações e contato com as demais funcionalidades da plataforma.
A segunda camada é constituída por um Middleware. Suas características básicas são:
- a) comunicação entre diferentes aplicações,
- b) acesso à tecnologias distintas (inclusive informações em nível e dispositivos móveis);
- c) processamento de informações.
No Bloomen o Middleware tem função de tratar todas as requisições inseridas na primeira camada e os transformar em dados para atuar na camada de blockchain. Esta camada gerencia as informações e transações entre as três camadas, suporta as operações de armazenamento, identificação além de todo o trânsito dos arquivos de mídia dos usuários e realiza o envio dos dados dos usuários da primeira camada para a estrutura do blockchain e aplicações de parceiros do consórcio Bloomen.
A última camada é onde ocorre a interação com os smat contracts, é realizada a tokenização e contém os aplicativos descentralizados dos associados ao Bloomen. permitindo que os usuários realizem o carregamento e gerenciamento das informações das obras. Em outro módulo permite-se o acesso aos ativos e dispositivos. É nessa camada que os smart contracts são executados conforme as instruções que foram lhe foram inseridas (BLOOMEN, 2020).
Os pagamentos através de smart contracts
Desde a gênese do blockchain que os smart contracts são apontados por SZABO (1997) como mecanismo de execução de pagamentos dotado de dinamismo e da pró-atividade além de incluir apossibilidade de verificação de toda a transação de forma rápida.
Os criadores do Bloomen desenvolveram quatro opções de smart contracts já modelados para os usuários do sistema escolherem:
1)Token Smart Contract;
2)Asset Manager Smart Contract;
3)Copyright Smart Contract;
4)Claim Ownership Smart Contract.
O Copyright Smart Contract possibilita administrar as cobranças e os pagamentos que envolvem direitos de autor de obras musicais. Com este Smart Contract, um usuário poderá comprar ativos ou vende-los, além de determinar porcentagens devidas aos músicos, estudio de gravação, intérprete, etc.
Além de toda a facilidade que o Bloomen oferece para o artista, acrescenta-se à isso a possibilidade de emitir valets para receber o pagamento dos royalties arrecadados com a execução pública da música através de um sistema próprio de pagamentos, podendo, inclusive, escolher receber em criptomoedas.
Conclusão
Apesar do Bloomen ser um projeto que iniciou os trabalhos de pesquisa em setembro de 2017, os pesquisadores envolvidos no projeto atestam que os recursos apresentados através de smart contracts para modelar e resolver conflitos no âmbito de direitos de autor de obras musicais apresentaram resutados satisfatórios e eficientes após os testes realizados.
Com isso, a gestão de direitos de autor de obras musicais através do Bloomen tende a mitigar a interferência de terceiros na distribuição de royalties, agilizar pagamentos, erradicar plágio musical e mitigar a ausência de informações sobre todas as partes envolvidas o que leva à inexistência de uma “caixa preta” de royalties por serem distribuídos.
Referências
BLOOMEN. Blockchain for creative work. http://bloomen.io/ Acesso em 15/07/2021;
KAPSOULIS, N; PSYCHAS, A; PALAIOKRASSAS, G; MARINAKIS, A; LITKE, A; VARVARIGOU, T; BOUCHLIS, C; RAOUZAIOU, A; CALVO, G; ESCUDERO SUBIRANA, J. Consortium Blockchain Smart Contracts para Governança de Direitos Musicais em um Caso de Uso de Organizações de Gestão Coletiva (CMOs). Future Internet 2020, 12, 134. Disponível em https://doi.org/10.3390/fi12080134 . Acesso em 15/07/2021;
MARINHO, Gustavo. Ethereum Classic sofre o terceiro ataque de 51% em um mês. Disponível em https://cointimes.com.br/ethereum-classic-sofre-o-terceiro-ataque-de-51-em-um-mes/. Acesso em 15/07/2021;
RETHINK MUSIC. Fair Music Transparency and Payment Flows in the Music Industry. Disponível em https://novojurislegal.files.wordpress.com/2018/12/9f5c6-rethink_music_fairness_transparency_final.pdf . Acesso em 15/07/2021;
SZABO, Nick. The Idea of Smart Contracts. Disponível em https://nakamotoinstitute.org/literature/the-idea-of-smart-contracts/ Acesso em 15/07/2021.
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