Tribunal Chines reconhece Direito de Autor em imagem produzida por IA Generativa
O Tribunal de Internet de Beijing de primeiro grau, tem a jurisdição para lidar com certos tipos de casos relacionados à internet que devem ser julgados por um tribunal popular de primeira instância na capital chinesa. Disputas em compras on-line, contratos de serviço, empréstimos, direitos autorais e domínios estão entre os casos típicos.
O próprio Tribunal utiliza a tecnologia de IA para criar o Juiz de IA, para complementar tarefas básicas e repetitivas, isto inclui: recebimento de litígios, orientações em tempo real, auxiliando os usuários a utilizar da plataforma online do tribunal, sendo capaz de realizar conversações (pergunta-resposta), tudo para permitir que os profissionais do direito se foquem nos julgamentos judiciais.
Tribunal de Beijing – Salas de Audiência
Decisão Inédita do Tribunal da Internet de Beijing.
Recentemente o Tribunal da Internet de Beijing prolatou decisão em novembro de 2023, firmando entendimento de que uma imagem gerada por inteligência artificial (IA) deve ser considerada uma obra de arte protegida por direitos autorais. Esta decisão, a primeira do gênero na China, a demanda judicial teve como vexata questio uma imagem criada com a técnica de Difusão Estável.
O tribunal reconheceu a originalidade no caso dos autos e por conseguinte a contribuição intelectual do criador humano.
Toda esta situação surgiu quando uma pessoa de sobrenome Li, que é o demandante, usou o programa Stable Diffusion da startup americana StabilityAI para criar a imagem de uma jovem asiática e a postou na plataforma de mídia social chinesa Xiaohongshu. Mais tarde, Li processou um blogueiro, Liu, por usar a imagem sem permissão no Baijiahao, uma plataforma de conteúdo de propriedade do Baidu.
O Tribunal de Beijing decidiu a favor de Li, destacando como os contínuos ajustes e escolhas estéticas do criador refletiam um “julgamento personalizado”.
Estas são as imagens criadas que estão nos autos do processo.
As repercussões da decisão no contexto global e os debates sobre Direitos Autorais.
A decisão inédita do Tribunal Chines reacende o debate sobre a necessidade de se criar normas internacionais que regulem o conteúdo gerado pela Inteligência Artificial Generativa (IAG), bem como, se deve ou não ser protegido por leis de Direitos Autorais.
A decisão do Tribunal da Internet de Beijing ao analisar o caso concreto, deixa claro que as futuras disputas sobre a expressão pessoal em imagens criadas por IAG deverão ser avaliadas também caso a caso. O Juiz Zhu Ge, que presidiu o caso, indicou que a decisão foi tomada considerando as implicações para as “indústrias emergentes”. Segundo Zhu, se o conteúdo criado com modelos de IAG não for considerado arte, isso poderá prejudicar a indústria.
A decisão do Tribunal de Beijing na China é significativa para aquele país, mas também tem implicações internacionais, vez que recentemente os Tribunais Estadunidenses tem firmado entendimento contrário, no sentido de que uma obra gerada por aplicativos de IA não teriam proteção pelo Direito de Copyright, ensejando que as mesmas sejam tratadas como se fossem de Domínio Público.
As questões sobre a originalidade nas obras produzidas com IA Generativa.
A questão é polêmica na doutrina, existindo correntes divergentes de entendimentos de que as obras geradas pela IA carecem da criatividade humana necessária para a proteção dos direitos de autor, porém em sentido contrário, existe o entendimento de que as obras de arte geradas por aplicativos de IAG poderiam possuir originalidade e deveriam ser tuteladas pelo Direito de Autor.
A primeira corrente doutrinaria parte do princípio de que a criatividade é atributo humano, assim os obstáculos para atribuição a um aplicativo de IAG são suficientes para determinar que não há obra protegível pelo Direito Autoral brasileiro quando ela é criada por uma aplicação de Inteligência Artificial.
Todavia, seria possível aprimorar a proteção do algoritmo treinado com a capacidade de produzir esse tipo de obra, resolvendo algumas lacunas da notoriamente datada legislação brasileira na proteção de bens da sociedade informacional. Para essa segunda proposta, a criação de um programa de IA falharia justamente no ponto de maior contenção da doutrina, que é o da parte intelectual. Autores consagrados como José de Oliveira Ascensão atestam que somente um ser humano teria a capacidade de produzir criações intelectuais. Em sua opinião o Direito Autoral não seria aplicado às obras produzidas por programas de computador (ASCENSÃO, 1997, p. 664): “Neste caso, é de sustentar que sobre as obras assim produzidas não recai Direito de Autor. Este pressupõe necessariamente a criação humana, e por isso se prolonga através de um direito moral ou pessoal de autor. Assim como não há Direito de Autor sobre obra da natureza, também não há Direito de Autor sobre obra da máquina.”
O autor português logo em seguida destaca que se poderia transferir, então, a discussão para a titularidade do meio criado pelo homem que permitiria a produção de tais obras, já que não faria sentido o desenvolvedor/investidor ter dois direitos a partir de uma única criação (no caso, o programa de computador criativo). O objetivo dessa segunda proposta que se apresenta agora envereda por esse caminho.
É preciso ter-se claro que um aplicação de Inteligência Artificial Generativa (IAG) se trata essencialmente de um programa de computador, e que eles são tutelados por direitos autorais muito parecidos aos aplicados a outros tipos de obras, porém com certas limitações. Contudo, a proteção pelo direito autoral é considerada por muitos desenvolvedores como insuficiente, buscando também uma proteção patentária (possível em casos específicos, relacionados à forma como o software é implementado).
A segunda corrente doutrinária admitiria que a criação de uma aplicação de IAG já poderia ser protegida como obra tutelada pelo Direito Autoral, inclusive pela legislação brasileira vigente sobre o assunto. Isto porque, a obra produzida por IAG cumpriria os requisitos legais para que determinado trabalho pudesse ser protegido. Porém, para esse fim, de se reconhecer que obras criadas por aplicações de Inteligência Artificial possam ser protegidas diretamente pelo instituto do Direito Autoral no Brasil, seria necessário uma alteração legislativa para regulamentar essa situação para alcançar uma melhor segurança jurídica.
O principal ponto em defesa dessa linha é que, se analisarmos a criatividade de uma forma mais objetiva, pensando na junção de vários elementos e inspirações pré-existentes para se criar algo novo a partir delas, há uma similaridade no processo de criação de máquinas e humanos suficiente para que um programa de computador possa cumprir o requisito da originalidade e suprir os requisitos estabelecidos em lei para que uma obra pudesse ser protegida pelas leis de Direito Autoral nacionais.
Em outras palavras, se não consideramos a criatividade como uma capacidade exclusivamente humana (por exemplo, justificando a criação pelo contato entre o divino e o criador ou na capacidade do artista de fazer uma adição que vá além das inspirações e experiências da pessoa), seria possível falar de uma criatividade artificial.
A criatividade humana como requisito básico de atribuição de autoria.
O Brasil pertence ao grupo de países que apenas a pessoa física é criadora, isto dadas as disposições do art. 11 da lei 9.610/98 no Brasil, e seguindo as conclusões quase pacíficas alcançadas em vários outros ordenamentos pelo mundo, não há que se falar que uma aplicação de Inteligência Artificial possa efetivamente ser a autora de sua arte.
A lei brasileira é ainda mais forte, ao pertencer ao grupo de legislações que expressamente dispõe que apenas a pessoa física criadora de obra literária, artística ou científica. Todavia, a própria lei abre margem para que diferentes soluções sejam encontradas nesse caso. Partindo desses fundamentos, é possível aplicar ao Brasil a ideia positivada no common law britânico de atribuição originária de um direito autoral patrimonial ao programador ou utilizador.
A dificuldade em separar a contribuição criativa humana mínima de uma criação genuinamente autônoma favorece essa linha doutrinária, ao dar segurança jurídica aos envolvidos na produção da obra e estimular que eles sejam honestos quanto à origem do material tutelado por direito autoral.
Idealmente, o direito autoral nesse caso deve ser designado à pessoa que assuma cumulativamente a posição de desenvolvedor e utilizador da aplicação de IA. Entretanto, quando são duas pessoas diferentes, não se deve buscar uma resposta específica rígida. Pelo contrário, é mais recomendável escolher um parâmetro aberto que seja capaz de abarcar diferentes tipos de obras geradas autonomamente. Uma tradução pode ter uma atribuição diferente de uma pintura, que pode ser diferente de um programa de computador.
Os interesses econômicos envolvidos na Decisão do Tribunal de Beijing.
Importante analisar as repercuções dos interesses econômicos envolvidos na decisão do Tribunal da Internet de Beijing que extrapola o limite das partes, impactam o setor de desenvolvimento da IAG na China e alcança o cenário internacional dos debates sobre a tutela jurídica das criações geradas por aplicativos de IAG .
Primeiramente as repercuções da decisão prolatada e os seus reflexos econômicos extrapolarão os limites da lide e irão alcançar a indústria de software chinesa, que receberá favoravelmente a decisão no sentido de que ela atribui maior proteção econômica aos usuários de aplicativos de IAG produzidos pela industria chinesa, tudo isso alcança valores de milhões de dolares para o setor de informática na China.
Frise-se que o Tribunal de Beijing se posicionou que, cada caso futuro deverá ser julgado individualmente (caso a caso), mas é questões importantes sobre a intersecção das leis de IAG e de direitos de autor, impactando múltiplas indústrias e desencadeará um debate global sobre as implicações legais e éticas da tecnologia de IAG. Porém o julgado em sí, já cria um precedente jurisprudêncial importante naquele país.
Esta dimensão econômica do julgado no setor de desenvolvimento de aplicativos é contrastante com o valor ínfimo que foi fixado na sentença condenatória nos autos, que ordenou que o réu pedisse desculpas publicamente e pagasse 500 yuans (aproximadamente US$ 71) por danos. Além disso, ele deverá pagar outros 50 yuans em custas judiciais.
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https://portuguese.xinhuanet.com/2019-06/28/c_138181125.htm