Compressão do espaço-tempo e da razão de ser humano
Espaço-tempo é um conceito físico-matemático que representa a união das três dimensões do espaço com a dimensão tempo, configurando um modelo de análise tetradimensional. Assim, ao mover um livro – que possui altura, comprimento e largura – dois metros para frente e, depois, dois metros para trás, por mais que o ponto de início e fim coincidam, o tempo para movê-lo e os espaços que ocupou neste representam seu deslocamento.
O conceito de compressão do espaço-tempo, por sua vez, caracteriza um fenômeno da geografia humana. O capital, as inovações no transporte e a tecnologia informacional geram a impressão de que o tempo para transferir bens, serviços e pessoas diminuiu, tornando o mundo menor e mais próximo. Por óbvio, o planeta não diminuiu fisicamente, mas houve uma redução do tempo necessário para percorrer uma mesma distância, gerando uma anulação aparente das dimensões espaciais pela dimensão temporal.
O efeito da compressão é evidente: basta lembrar a quantidade de mensagens e ligações recebidas fora do horário de trabalho. Seja uma mensagem via WhatsApp ou Teams, uma ligação rápida ou e-mails urgentes, fica claro que o trabalho não é mais atribuído exclusivamente a um espaço físico e, assim, as separações entre vida pessoal e vida profissional praticamente deixam de existir.
Para David Harvey, essa imediatez fundamentou o modelo de globalização contemporâneo, em que se busca, através da linguagem, aproximar-se de outras culturas para facilitar ainda mais essa velocidade. Notoriamente, a língua inglesa ganhou destaque nessa expansão.
Diante desse cenário, duas questões surgem: a desigualdade no acesso e na produção dessas tecnologias imediatistas e entender o que se deve buscar para futuras inovações.
A desigualdade existe desde que o primeiro homem teve a ideia de cercar um terreno, o fez e disse “isto é meu”. A convivência com a desigualdade não significa, entretanto, que seja natural estarmos lendo este Boletim no conforto de nossos computadores e celulares enquanto pessoas morrem de fome.
Este paper não tem o objetivo de esgotar o tema da desigualdade informacional, mas é fundamental deixar registrado que tratar sobre novas tecnologias e outras inovações não representa um desenvolvimento democrático. Existem grupos sociais e culturas excluídas desse desenvolvimento e dos meios de acesso às informações. Nas linhas seguintes, analisaremos as condições dentre aqueles que possuem algum acesso.
Pois bem. Quanto à produção de novas tecnologias, é interessante mirar à Teoria das Ondas de Nikolai Kondratiev (ou Kondratieff, a depender da tradução). Sumariamente, Kondratiev planificou os maiores momentos de desenvolvimento tecnológico e recessões econômicas, gerando oscilações periódicas – as ondas. Dessa forma, cada período de grande inovação tecnológica de cada uma das revoluções industriais foi precedido por um momento de crise econômica.
Assim, a crise da década de 30 foi seguida pelo alto desenvolvimento das indústrias petroquímica, automobilística e eletrônica (computação). Já a crise de 89 gerou um desenvolvimento acelerado de tecnologias de informação, com a criação do big data, inteligência artificial, blockchain e indústria cibernética amplamente. Agora, depois da crise de 2020, qual será a novidade?
Independentemente, além de olhar para as inovações tecnológicas, é imprescindível olhar quem está usando dessa tecnologia: o que é o homem contemporâneo?
Como todos os animais, a motivação do homem por milênios consistia na sobrevivência para propagação da espécie. Não é necessário ler Sapiens – apesar dessa autora recomendar a leitura – para saber que o homem não necessita mais preocupar-se com caçar e coletar para sobreviver, abrindo escopo para a criatividade humana.
O homem inventou ferramentas que auxiliassem em suas tarefas, complexificando as sociedades até chegar na suposta aldeia global que vivemos.
Nessa aldeia, os bebês e crianças têm seu comportamento suprimido por telas, apesar de atrasar o desenvolvimento cognitivo, social e linguístico. Os adolescentes são consumidores ávidos de informações, principalmente por plataformas criadas para gerar dependência aos dispositivos. Nós adultos incentivamos ou aceitamos isso – ou pior, também nos viciamos.
O que um ser humano sedentário, sem necessidade de se preocupar com a sua sobrevivência e manutenção da espécie, tem de humano? O desenvolvimento tecnológico das revoluções industriais até então mantiveram uma estrutura social desigual, motivaram a informação como consumo e corroboraram para o crescimento nos casos de depressão, ansiedade, síndrome do pânico, fobia social, obesidade, etc.
Compreender esse mundo imediatista e em constante evolução é compreender o papel que o homem enxerga para si nesse mundo.
Não encontrei uma resposta para isso – o que é o homem no mundo –, mas terminar este paper com uma frase genérica assim seria desanimador, no mínimo. Então esta é uma recomendação de final:
Quando a compressão do espaço tempo é tamanha que o próprio ser se sente comprimido em existência e essência, um exercício milenar é estoicismo de Sêneca. O professor romano ensinou que o destino é inevitável – seja as consequências de suas ações, seja a morte, ou o futuro em si – e que é possível tomar dois posicionamentos: negar ou aceitar. O último caminho é o único capaz de libertar do sofrimento do primeiro, isto é, a aceitação que o ‘por vir’ virá alivia o peso e ansiedade em nossas costas. Isto não consiste em posicionamento passivo ao futuro, pelo contrário! Sabendo que este é inevitável e tendo consciência quanto as suas responsabilidades e consequências, só assim é possível agir como alguém livre.
“Todos os seres humanos nascem para uma vida de companheirismo, e a sociedade só pode permanecer saudável por meio da proteção mútua e do amor de suas partes.” – Sêneca
Fontes:
Currie M. Time–Space Compression: The Long View. In: Evans J, ed. Globalization and Literary Studies. Cambridge Critical Concepts. Cambridge University Press; 2022:178-194.
David Harvey. The Condition of Post Modernity, An Enquiry into the Origins of Cultural Change. 1989
Dornelas, H. (2023, August 24). Dia Da Infância: Os malefícios a Longo Prazo da Exposição A telas. Ciência e Saúde. https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2023/08/5119626-dia-da-infancia-os-maleficios-a-longo-prazo-da-exposicao-a-telas.html
Estado de Minas. (2023, January 12). Telas: Causa Danos Irrevers. https://www.em.com.br/app/noticia/saude-e-bem-viver/2023/01/12/interna_bem_viver,1444102/telas-causa-danos-irreversiveis-no-desenvolvimento-de-bebes-e-criancas.shtml
Jean-Jacques Rousseau. Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade Entre os Homens. Penguin Clássicos: 2021
Merluzzi, O. (2020, November 15). Nicolai Kondratiev. O 6° Ciclo JÁ Começou E talvez você não tenha notado. O que vem agora?. Tendências, Tecnologia e Gestão. https://oleodieselnaveia.com/2020/11/15/nicolai-kondratiev-o-6-ciclo-ja-comecou-e-talvez-voce-nao-tenha-notado-o-que-vem-agora/
Santos, I. N., & Azevedo, J. (2019, June 28). Compressão do espaço-tempo E hiperlocalização: Os novos flâneurs. Comunicação e sociedade. https://journals.openedition.org/cs/811#:~:text=Ao%20comprimir%20o%20tempo%20faz,eternidade%20(Rosa%2C%202013).