Para Pensar a Tecnologia da Inovação nas Redes Sociais

Clarisse Stephan
Marcus Fabiano Gonçalves


1. Introdução: Inovações Disruptivas e Funções Sociais da Tecnologia

Enquanto Schumpeter enfatiza o impacto econômico das revoluções tecnológicas, Flusser foca nas implicações sociais e culturais. O objetivo é delinear como esses conceitos podem ser aplicados para entender os usos da tecnologia por empresas sociais, cuja existência está intrinsecamente ligada à sociedade em que operam.

Fixaremos adiante dois marcos reflexivos a respeito das inovações disruptivas em matéria tecnológica (Schumpeter, 1939) e das funções sociais da própria tecnologia (Flusser, 1972) a fim de compreendermos melhor como tais aclaramentos podem contribuir para um melhor delineamento dos usos da tecnologia por  empresas sociais. Ora, a ideia de uma empresa que não seja social parece por si já um oxímoro: o que lhe dá sentido justamente é a própria inserção em uma sociedade. Resulta, entretanto, que é justamente essa maneira de cumprir suas missões, objetivos e metas institucionais que podem acentuar o seu caráter de compromissos sociais assumidos, abrandando, de algum modo a contradição aparente da própria expressão.

Uma empresa existe historicamente no arco de um determinado marco social e tecnológico historicamente delimitado, sobrevivendo a ele graças a mudanças adaptativas, capacidades de reinvenção ou permanência estrutural de demandas. Segundo o economista austríaco e norte-americano Joseph Schumpeter,  a revolução tecnológica é um processo em constante evolução que promove a inovação e o crescimento econômico. Ele apresentou a ideia de “destruição criativa” (Schumpeter, 1939) na sua teoria dos ciclos econômicos, que se refere ao fenômeno onde inovações disruptivas substituem tecnologias e modelos de negócios já estabelecidos, provocando alterações relevantes na estrutura econômica global. Mudanças em matrizes energéticas (como a passagem do pistão a vapor ao motor de combustão interna) ou de materiais (a substituição da madeira pela alvenaria, na construção civil de massas) são exemplos claros de inovações que se tornaram disruptivas. 


2. Revolução Tecnológica e Inovação Disruptiva segundo Schumpeter

Schumpeter aborda a revolução tecnológica como um processo contínuo de “destruição criativa”, no qual inovações disruptivas substituem tecnologias e modelos de negócios inovadores. Exemplos como a transição de matrizes energéticas e a industrialização ilustram essas transformações. Além disso, ele identifica quatro tipos de inovação que impulsionam mudanças mercadológicas: produtos, processos, mercados e gestão. Contudo, alerta para o custo social das inovações, que podem causar instabilidade ao tornar setores inteiros obsoletos, evidenciando o duplo papel da tecnologia como força de progresso e desafio econômico-social.

Assim, Schumpeter defendia que os empresários têm um papel fundamental neste processo, uma vez que são eles que introduzem novas combinações de recursos e desenvolvem novos produtos, serviços e mercados. Portanto, a revolução tecnológica não é meramente um conjunto de alterações técnicas, mas uma força propulsora que modifica a economia, a sociedade e todo o ecossistema das relações de produção, colocando a empresa em lugares antes jamais pensados. 

Todavia, para Schumpeter, a revolução tecnológica é um propulsor de avanço, mas também de instabilidade, uma vez que as inovações resultam na obsolescência de outras empresas e seus respectivos setores convencionais. Esse valor relativo e até restritivo às inovações foi feito em tom de admoestação por Schumpeter: trata-se aí do custo social global de uma mudança irruptiva radical. Joseph Schumpeter, porém, não se referiu diretamente à “inovação disruptiva”. Foram seus conceitos sobre inovação e destruição criativas que se tornaram alinhados com essa concepção. Schumpeter caracterizou a inovação como a implementação de novos produtos, processos ou técnicas que modificam a maneira como os mercados funcionam. Ele destacou os seguintes aspectos da inovação em diferentes momentos da vida empresarial e mercadológica:

1. Inovação de produtos: Criação de novos itens ou aprimoramentos notáveis em produtos já existentes.
2. Processos inovadores: Modificações nos métodos de produção ou distribuição que potencializam a eficácia da fruição de bens
3. Mercado inovador: Abertura de novos mercados ou mudança na maneira como os produtos são vendidos.
4. Inovação na gestão: Novos modelos de organização, administração e estrutura organizacional de recursos humanos

Neste cenário, a inovação disruptiva se refere a inovações que alteram profundamente um setor, muitas vezes desafiando ou ultrapassando as empresas já estabelecidas. Este tipo de inovação pode resultar na obsolescência de produtos ou serviços já estabelecidos, sendo um elemento fundamental da “destruição criativa”, um conceito fundamental na filosofia de Schumpeter, onde a inovação pode provocar tanto avanço quanto destruição nas economias. Vemos esse impasse hoje como sendo claramente criado pela demanda de energia limpa diante da rede de impérios dos combustíveis fósseis há décadas estabelecida. Ou podemos notar o mesmo fenômeno quando artesãos da marcenaria ou do bronze resistiram, pelo movimento art noveau, às retas e às. linhas puras da industrialização de massas ocorrida desde a Belle Époque, um gerando colisões entre momentos de melancolia e e furor diante da prosperidade descortinada pelas novas tecnologias.

 


3. Tecnologia como Elemento Cultural e Social segundo Flusser

Para Flusser, a tecnologia vai além de ser um conjunto de ferramentas; ela molda nossa percepção do mundo e nossas interações sociais. Ele destaca quatro aspectos principais: a tecnologia como instrumento de comunicação, mediadora da realidade, agente de desmaterialização e fator de complexidade social. Esses elementos cruciais tornam o desenvolvimento de uma consciência crítica sobre seu uso, especialmente no contexto de empresas sociais. Neste cenário, a “tecnologia social” surge como um conjunto de práticas e métodos que alinham a eficiência corporativa à responsabilidade social e ambiental, promovendo impacto positivo nas comunidades e no meio ambiente. 

Não é por outro motivo que se precisa revisitar um autor fundamental para a filosofia da tecnologia: Vilém Flusser. Ele foi um filósofo e teórico da comunicação do século XX de origem tcheca e que teve parte de sua obra consolidada aqui no Brasil, quando ministrou aulas na USP. Flusser considerou a tecnologia como um prolongamento da comunicação humana e um componente crucial na expansão da cultura cibernética. Em suas obras, Flusser ressalta alguns aspectos cruciais acerca da tecnologia:

1. Tecnologia como Instrumento de Comunicação: Flusser percebia a tecnologia, particularmente a fotografia e os meios de comunicação em massa, como instrumentos que modificam a forma como percebemos e nos relacionamos com o mundo. Ele defendia a ideia de que essas tecnologias moldam nossa realidade e afetam a maneira como adquirimos o saber.

2. Tecnologia como mediadora da realidade: Ademais, para Flusser, as tecnologias não são meros instrumentos imparciais (medias); elas desempenham um papel ativo na construção de significados, na nossa percepção do mundo e em nossa subjetivação. Ele defendia que a maneira como nos expressamos por meio da tecnologia tem um impacto significativo em nossas interações sociais e culturais.

3. Tecnologia em vias de desmaterialização: Flusser discutia pioneiramente sobre a desmaterialização dos objetos tangíveis em favor de imagens e informações, um processo que modificaria a nossa visão da realidade. De acordo com ele, essa mudança conduziria a um novo modo de pensar e entender o mundo (adiantando em décadas o que chamamos hoje de “mundo virtual”).

4. Tecnologia como complexidade. Ele reconhecia que a tecnologia introduz complexidade e uma nova dinâmica nos processos sociais. Flusser defendia que, ao enfrentar essa complexidade, é crucial cultivar uma consciência crítica acerca do uso das tecnologias, tal como nos deparamos hoje com as dilemáticas morais surgidas do uso descontrolado do acúmulo de nossos dados por empresas privadas, ou do uso potencialmente violento da chamada “inteligência artificial”. 

Em resumo, segundo Vilém Flusser, a tecnologia não é apenas um conjunto de instrumentos, mas um elemento cultural e social que influencia profundamente a experiência humana coletiva e a comunicação. Esses aspectos devem ser retidos criticamente para podermos tratar mais abertamente e de modo menos ingênuo sobre a presença da “tecnologia” quando referida às empresas sociais. 

A partir de tais pressupostos podemos afirmar que a tecnologia social nas empresas sociais pode ser compreendida como dizendo respeito ao emprego de instrumentos, técnicas e métodos que visam fomentar o bem-estar social e ambiental, unindo metas comerciais à responsabilidade social mais ampla. Isso implica a adoção de práticas corporativas voltadas não só para a eficiência e o lucro, mas também para efeito e impacto benéfico perante as comunidades e no meio ambiente, diante do potencial avanço de inovações disruptivas.

 

4. Aplicação Prática: Tecnologia Social nas Empresas Sociais

A tecnologia social nas empresas sociais é apresentada como um modelo que integra inovação e responsabilidade. Pontos como sustentabilidade, inovação responsável, participação comunitária, colaboração intersetorial e educação são destacados como pilares que ajudam a transformar empresas em agentes de mudança social. Esses princípios alinham metas comerciais ao impacto social, oferecendo uma visão holística de como a tecnologia pode ser usada para gerar benefícios amplos e duradouros. 

Apresentamos então um rápido elenco de pontos relevantes da tecnologia social para o setor empresarial de nossa realidade socioeconômica.

1. Sustentabilidade: Implementar ações que reduzam o choque ecológico negativo no meio ambiente, tais como a utilização de recursos renováveis e a administração de resíduos de saída do processo produtivo; 

2. Inovação Responsável ou Encarregada: Criar produtos e serviços que satisfaçam as demandas sociais emergenciais, tais como soluções econômicas para comunidades de baixa renda, próximas ou destinatária (previamente definida), bem como enfatizar a cadeia de produtos que incentivem as saúdes pública e privada. 

3. Participação Comunitária: Empregar procedimentos comunicacionais estáveis, de compreensão simples e permanentes para estabelecer e manter conexões (canais de troca) confiáveis com as comunidades locais, almejando compreender suas demandas e fomentando um diálogo que produza benefícios recíprocos e noções de pertencimento local compartilhadas

4. Colaboração:  implementar trabalhos sinérgicos com ONGs, governos e outras organizações para lidar com problemas sociais complexos, típicos de quadros de múltipla governança ou gestão multissetorial. 

5. Educação e Formação: Estabelecer programas continuados e sensíveis às demandas do ambiente que aprimorem as competências e saberes dos funcionários e da comunidade do entorno empresarial, ampliando as chances de emprego, inclusive fora da empresa, bem como o crescimento intelectual e cultural dos funcionários e de suas famílias.  

Isso que é assim chamado de “tecnologia social” em verdade, pois, está compreendido em um conjunto de práticas de gestão que tornam a empresa apta, ao menos em parte, a ser designada como social. 

Fontes: 

SCHUMPETER, J. A. (1939). Business cycles: a theoretical, historical and statistical analysis of the capitalist process. New York/Toronto/London: McGraw-Hill.

FLUSSER, Vilém. Le monde codifié. Paris, Institut de l’Environement, 1972.

Enviar Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *