
IA Versus Direitos Autorais: Conflito entre Dow Jones e Startup Perplexity AI por Uso Indevido de Conteúdo
Introdução: Legitimidade e ética do uso da IA.
A crescente integração de Inteligência Artificial (IA) no uso de conteúdo de terceiros tem gerado disputas jurídicas notáveis nos últimos tempos, um exemplo disso é a recente ação movida pela Dow Jones contra a empresa de IA Perplexity, no Tribunal Distrital do Sul de Nova York. A editora, responsável por publicações como o Wall Street Journal e o New York Post, acusa a Perplexity de reproduzir, sem autorização, conteúdo jornalístico protegido, caracterizando uma possível violação de direitos autorais.
Este caso evidencia a crescente necessidade de clareza jurídica em torno do uso de materiais jornalísticos e a urgência de regulamentação sobre o uso da IA em contextos que podem prejudicar financeiramente veículos tradicionais de mídia.
A ação judicial, noticiada no final de 2024, destaca a complexidade da relação entre inteligência artificial e direitos autorais, ao mesmo tempo que gera reflexões sobre as implicações para o setor editorial e para as plataformas de IA, que utilizam materiais jornalísticos protegidos por direitos intelectuais em sua base de dados.
Com a popularização dos sistemas de busca e geração de respostas automatizadas, é cada vez mais frequente o uso de conteúdo protegido para alimentar algoritmos e bases de dados.
No entanto, essa prática suscita discussões sobre a legitimidade e a ética do uso de tais conteúdos sem autorização ou compensação aos criadores originais ou titulares de tais direitos.
2. Apropriação indevida de conteúdo e impacto no mundo jornalístico.
Segundo alega a Dow Jones, a Perplexity AI utiliza conteúdo dos jornais sem redirecionar os usuários para os sites originais das publicações. Ao invés disso, as informações são apresentadas diretamente ao usuário pela ferramenta de busca da Perplexity, o que, segundo a editora, os prejudica, ao restringir, portanto, o acesso direto ao conteúdo do Wall Street Journal e do New York Post. Este modelo de apresentação reduz o tráfego de usuários aos sites, diminuindo consequentemente a visibilidade de anúncios e as oportunidades de monetização do conteúdo por meio de assinaturas, publicidade e outros modelos de receita essenciais à sobrevivência de veículos jornalísticos.
Em termos jurídicos, o caso apresenta uma questão central de direitos autorais em ambientes digitais. A reprodução de conteúdo protegido e compartilhado, sem a devida autorização, especialmente quando esse conteúdo é utilizado como insumo para produtos de inteligência artificial, pode incidir em uma clara violação do Direito Autoral, seja conforme estabelecido na legislação norte-americana ou de qualquer outro país do mundo, como o Brasil.
A Dow Jones argumenta que a prática de Perplexity de utilizar os materiais jornalísticos sem pagar pelo acesso ou sem fornecer a devida atribuição representa uma apropriação indevida, um desvio econômico dos direitos dos autores e uma prática de desvio de audiência que prejudica os veículos midiáticos originais.
Em última análise, isso representa uma desvalorização dos direitos autorais no ambiente digital e prejudica o setor jornalístico, que depende de receitas publicitárias e de assinaturas para manter sua operação.
3. Alucinações de IA e dano à reputação das instituições
Outro ponto levantado pela Dow Jones no processo é a questão das chamadas “alucinações de IA” – termo utilizado para se referir à geração de respostas incorretas ou fabricadas por sistemas de IA, podendo levar a erros de informação e atribuição incorreta de créditos sobre o conteúdo.
A Perplexity, ao exibir respostas baseadas em conteúdos de fontes renomadas como o Wall Street Journal, pode vir a cometer erros significativos que podem acabar atribuindo informações erradas a essas publicações. Essa prática, além de afetar negativamente a imagem e a credibilidade dos veículos jornalísticos, gera danos aquém dos prejuízos financeiros.
No campo da propriedade industrial, essa distorção das informações e atribuição incorreta a uma marca consolidada, como o Wall Street Journal e o The Washington Post, poderia também incidir em concorrência desleal, uma vez que afeta a percepção do público e desvaloriza a marca pertencente aos seus titulares.
A falsidade ou distorção de conteúdo atribuída aos jornais em questão, pode ser vista como uma ameaça ao valor intangível e à credibilidade conquistada pelas instituições, minando a confiança e credibilidade que o público deposita na qualidade das informações publicadas.
Quando o conteúdo é distorcido ou indevidamente atribuído a um jornal estabelecido, o público pode ser levado a acreditar que informações incorretas provêm de fontes confiáveis, o que compromete a integridade da marca e prejudica a reputação de qualquer veículo de comunicação.
4. Pedidos judiciais: destruição de Base de Dados.
Tomando por base tais alegações, a Dow Jones não só busca indenizações financeiras que podem chegar a US$ 150 mil por cada infração efetivamente comprovada, como também requer a destruição de qualquer base de dados que contenha seus materiais protegidos.
O pedido é crucial no processo, pois demonstra a preocupação da editora em impedir que a Perplexity continue explorando conteúdo protegido sem autorização. Essa destruição de bases de dados contendo material não autorizado, pode tornar-se um precedente importante no campo do Direito Autoral, especialmente quando se trata de treinamentos de IA baseados em conteúdos protegidos.
É preciso ter-se claro que, a solicitação baseia-se nos argumentos de que, já que os materiais e conteúdos são interligados e integrados ao sistema de IA, bem como usados no treinamento de novos modelos, a integral eliminação dos dados torna-se uma iniciativa extremamente complexa e até irreversível.
5. Considerações Finais: Impacto jurídico e regulação do setor de IA.
O uso de conteúdos jornalísticos por plataformas de IA sem autorização dos autores ou titulares levanta questões críticas de direitos autorais, principalmente no Brasil, onde a proteção da Lei nº 9.610/98 (LDA) é mais abrangente e rigorosa, em comparação aos Estados Unidos.
A legislação brasileira, diferentemente da americana, não prevê flexibilização ampla como o “Fair Use” para fins comerciais, exigindo autorização expressa para a reprodução, comunicação ao público e distribuição de obras protegidas.
No contexto brasileiro, o Art. 7º, I e XIII da LDA, abarca artigos, reportagens e demais materiais jornalísticos como obras intelectuais protegidas, estabelecendo assim a natureza autoral desses conteúdos e a necessidade de consentimento para sua utilização. Complementando essa proteção, o Art. 29, I, tipifica a reprodução de conteúdo sem licença, como violação direta dos direitos exclusivos do autor sobre sua obra.
Além disso, o Art. 24 assegura a integridade moral do autor, resguardando-o contra distorções ou modificações que possam prejudicar ou comprometer a obra e a reputação do criador.
Ademais, a exploração econômica de materiais protegidos, conforme estabelecido pelo Art. 28 da LDA, é de competência exclusiva dos autores. Assim, eles têm o direito de receber a devida remuneração pelo uso de suas criações, assegurando o respeito aos direitos patrimoniais que lhes pertencem.
O Art. 90 reforça essa proteção ao assegurar direitos conexos, inclusive para materiais jornalísticos, impondo que a comunicação ao público e a disponibilização dessas obras respeitem a titularidade dos direitos. Essa estrutura normativa confere ao cenário brasileiro uma proteção mais robusta e rigorosa, apesar de alguns gaps ainda presentes, ao estabelecer exigências específicas para as plataformas de IA e seu uso de conteúdos autorais.
Este caso como um todo, evidencia a necessidade de uma regulação que equilibre a inovação e a proteção aos direitos dos criadores, evitando apropriações indevidas. Uma decisão judicial que favoreça os autores poderá firmar um precedente histórico internacional importante, consolidando a importância de licenciamentos específicos e de compensações justas para o uso de conteúdos protegidos em modelos de IA.
O processo contra a Perplexity traz à tona mais uma vez, o impacto da IA sobre os direitos autorais e a necessidade de uma abordagem e estrutura regulatória que de fato proteja os criadores de conteúdo.
O caso poderá servir como referência para novos limites éticos e legais no uso de materiais tutelados, garantindo um desenvolvimento tecnológico que respeite os direitos autorais.
Fontes:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm
https://www.cnbc.com/2024/10/21/murdoch-firms-dow-jones-and-new-york-post-sue-Perplexity-ai.html
https://nypost.com/2024/10/21/business/ny-post-wall-street-journal-sue-jeff-bezos-backed-Perplexity-ai/
https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2024/10/22/jornais-processam-empresa-de-ia-por-violacao-de-direitos-autorais-nos-eua.ghtml
https://www.theverge.com/2024/10/21/24275924/news-corp-wall-street-journal-Perplexity-lawsuit-copyright-infringement
https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/10/22/dow-jones-e-ny-post-acionam-startup-por-copiar-conteudo.ghtml
Referências:
BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em: 25 out. 2024.
CNBC. Murdoch firms Dow Jones and New York Post sue Perplexity AI. Disponível em: https://www.cnbc.com/2024/10/21/murdoch-firms-dow-jones-and-new-york-post-sue-Perplexity-ai.html. Acesso em: 25 out. 2024.
NYP. NY Post, Wall Street Journal sue Jeff Bezos-backed Perplexity AI. Disponível em: https://nypost.com/2024/10/21/business/ny-post-wall-street-journal-sue-jeff-bezos-backed-Perplexity-ai/. Acesso em: 25 out. 2024.
O GLOBO. Jornais processam empresa de IA por violação de direitos autorais nos EUA. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/noticia/2024/10/22/jornais-processam-empresa-de-ia-por-violacao-de-direitos-autorais-nos-eua.ghtml. Acesso em: 25 out. 2024.
THE VERGE. News Corp, Wall Street Journal file lawsuit against Perplexity for copyright infringement. Disponível em: https://www.theverge.com/2024/10/21/24275924/news-corp-wall-street-journal-Perplexity-lawsuit-copyright-infringement. Acesso em: 24 out. 2024.
VALOR ECONÔMICO. Dow Jones e NY Post acionam startup para copiar conteúdo . Disponível em: https://valor.globo.com/empresas/noticia/2024/10/22/dow-jones-e-ny-post-acionam-startup-por-copiar-conteudo.ghtml . Acesso em: 24 out. 2024.