Controle Algorítmico e Liberdade de Escolha no Capitalismo de Vigilância

Luana Esteche Nunes

Consumo, Datificação e Capitalismo de Vigilância

Esse movimento evoluiu para a datificação, onde comportamentos são convertidos em dados mensuráveis, sustentando o chamado capitalismo de vigilância. Nesse modelo, as plataformas digitais capturam dados pessoais e os utilizam para moldar comportamentos e maximizar o engajamento, colocando os usuários como matéria-prima essencial para geração de lucro.

Assim as estruturas sociais, inaugurando um novo modelo econômico que redefine a forma como a vida cotidiana é moldada pelo consumo (Harvey, 1992). Assim, o consumo passou a ocupar o centro da vida das pessoas, desenvolvendo uma estrutura de controle e manipulação dos desejos e necessidades humanas que funciona como a força motriz do capitalismo.

Entretanto, à medida que as necessidades passaram a ser constantemente criadas e atualizadas, as empresas buscaram formas de monitorar as preferências dos consumidores em tempo real para otimizar suas estratégias. 

Esse movimento pavimentou o caminho para a datificação, ou seja, a transformação do comportamento humano em dados mensuráveis, sustentando-se no “capitalismo de vigilância” — uma forma sofisticada de captura e uso de dados pessoais. Esse novo paradigma transforma nossas interações digitais em uma fonte de lucro, onde dados pessoais se tornam a matéria-prima mais valiosa. 

As Plataformas Digitais, especialmente redes sociais, desempenham um papel central nessa engrenagem, coletando informações detalhadas sobre cada interação, interesse e comportamento dos usuários. Esse processo ultrapassa o mero monitoramento, sendo estruturado para prever, influenciar e até moldar comportamentos.

Diante desse cenário, compreender como o capitalismo de vigilância utiliza a coleta massiva de dados nas redes sociais é fundamental para identificar as consequências legais e éticas desse fenômeno. 

Nesse contexto, o conceito de capitalismo de vigilância e sua operação baseada em dados pessoais tornam-se temas centrais de análise, sobretudo após o surgimento das “Big Techs”, grandes empresas de tecnologia cujo modelo de negócios envolve a coleta extensiva de dados.

 

2. Algoritmos, Inteligência Artificial e Manipulação Comportamental

As redes sociais utilizam inteligência artificial e algoritmos para analisar grandes volumes de dados, traçando perfis e fornecendo conteúdos personalizados. Esse design persuasivo favorece conteúdos que geram emoções intensas e estimulam comportamentos repetitivos, criando dependência e prolongando o tempo de conexão dos usuários. Nesse processo, o consumidor é transformado em recurso econômico, com sua atenção rentabilizada e suas escolhas limitadas por decisões algorítmicas.

De acordo com Shoshana Zuboff, o capitalismo de vigilância explora o uso das informações dos indivíduos para criar valor de mercado, alterando as dinâmicas de poder e interação na economia digital (Zuboff, 2019). 

A nova lógica econômica, o capitalismo de vigilância substitui a exploração tradicional da força de trabalho pela captura de dados comportamentais obtidos por meio de métodos de vigilância social. 

No entanto, essa dinâmica exacerba a simples observação social, pois não apenas coleta dados de forma passiva, mas atua ativamente para influenciar e moldar o comportamento dos usuários.

Essa forma de vigilância invisível e incessante está presente nas redes sociais, que utilizam métodos explícitos (captura de dados conscientemente informados) e implícitos (captura de dados de navegação), abrangendo desde o perfil do usuário até seus dados de navegação e interações, criando uma estrutura de monitoramento constante. 

Essa apreensão de informações inclui tanto os dados voluntariamente compartilhados pelos usuários, ao criarem suas contas de acesso nas plataformas, quanto os dados gerados quando publicam e compartilham pensamentos e conteúdos.

Os dados implícitos são capturados através dos rastros digitais dos consumidores, que incluem desde sites visitados e pesquisas realizadas até compras efetuadas e interações em redes sociais.

A coleta das informações pode se configurar por meio de smartphones, dispositivos de automação residencial, ferramentas de navegação na web e monitoramento de conteúdo de telecomunicações, como troca de mensagens, rastreamento de sinais digitais de telefonia móvel, e monitoramento de e-mails, entre outros.

Devido ao grande volume de conteúdo disponível na internet, as redes sociais buscam estratégias para entregar comunicação fácil, imediata e personalizada, proporcionando não apenas comunicação, mas também um espaço familiarizado, intuitivo e customizado.

Essa experiência se aprimora à medida que a interação do usuário com a rede aumenta, pois seus dados são analisados e transformados em estratégias de direcionamento de conteúdo que estimulam comportamentos e engajamento.

A dinâmica é intensificada pela integração da Inteligência Artificial e de fórmulas algorítmicas, que facilitam a análise e captura de grandes volumes de dados, traçando o perfil e os interesses dos usuários para, então, fornecer conteúdo e publicidade personalizada. 

Com design persuasivo e centrado no usuário, redes como Instagram e Facebook incorporam tecnologia algorítmica e machine learning (aprendizado de máquina) como solução para a sobrecarga de informações que diariamente “invadem” o cérebro de seus usuários, buscando selecionar conteúdos relevantes e personalizados que sejam aptos a prender a atenção e maximizar o tempo de visualização (Hari, 2021). 

Para isso, os algoritmos tendem a favorecer conteúdos que provocam emoções mais intensas e que correspondem ao perfil e às preferências do usuário, alcançado por meio da análise de padrões de dados comportamentais (Hari, 2021).

A lógica econômica presente nas redes sociais não é apenas vender publicidade para seus anunciantes, mas sim rentabilizar a atenção conferida gratuitamente pelos usuários. Para que esse processo de rentabilização da atenção se concretize, a transformação do comportamento em dados alimenta algoritmos capazes de identificar padrões e prever comportamentos futuros, promovendo a dependência e o uso repetitivo das plataformas. Ou seja, quanto maior o tempo de conexão do usuário, maior a rentabilidade auferida pela empresa. Esse modelo de negócios explica como as cinco maiores empresas de tecnologia (Meta, Alphabet, Apple, Amazon e Microsoft) alcançaram receitas aproximadas de US$ 1,4 trilhão em 2021, com um aumento de lucros de 55% em relação ao ano anterior (United Nations Economist Network, 2023), mesmo oferecendo acesso gratuito aos seus serviços. Essa forma de organização econômica caracteriza-se como um sistema em que os produtores exercem controle sobre os consumidores, reduzidos à condição de meros recursos para converter produtos em dinheiro (Anderson, 2005).

Na busca pela atenção dos consumidores, os algoritmos desempenham um papel indispensável na criação do perfil do usuário, fazendo uso de dados personalizados que revelam suas preferências e, sobretudo, suas motivações de consumo e decisão. Assim, algoritmos de recomendação permitem que o conteúdo exibido tenha afinidade com o usuário e seja capaz de prender sua atenção, aumentando o tempo de conexão.

Logo, essas práticas retiram do usuário a livre determinação, trazendo diversas outras implicações éticas, como a mitigação da privacidade, coleta e compartilhamento indiscriminado de dados, assim como a indução ao consumismo através da manipulação de vontades. 

O controle algorítmico e o desequilíbrio de poder, intensificados pela Inteligência Artificial, limitam a capacidade de escolha e dificultam qualquer oposição efetiva pelo usuário. Da mesma forma, a sofisticação dos sistemas de IA utilizados por grandes empresas deixa o consumidor em uma posição de vulnerabilidade, sem mecanismos eficazes de oposição ou controle sobre como seus dados são usados e interpretados. Esse desequilíbrio de poder faz do consumidor uma mercadoria a ser consumida, seja através da captura de seus dados ou da rentabilização da atenção, onde o consumidor tem pouca ou nenhuma capacidade de resistência frente aos algoritmos que moldam sua experiência digital.

Esse contexto ressalta a necessidade urgente de políticas que promovam transparência e regulação, buscando preservar a liberdade de escolha em um ambiente digital cada vez mais intrusivo. As estratégias de coleta e processamento de dados, amplamente amparadas pela IA, moldam comportamentos e manipulam preferências, retirando gradualmente a autonomia dos consumidores. A exposição a conteúdos filtrados por algoritmos limita a capacidade de escolha consciente, tornando o usuário refém de decisões guiadas por interesses comerciais.

3. Implicações Éticas e Regulamentação Necessária

O controle algorítmico e a falta de transparência nas práticas de coleta de dados levantam questões éticas importantes, como a perda de privacidade e autonomia dos consumidores. 

Inspirado pelo conceito de “panóptico” de Foucault, o capitalismo de vigilância molda padrões de conduta em um ambiente de vigilância invisível. A urgência de políticas regulatórias e maior transparência é evidente para preservar a liberdade de escolha e proteger os direitos dos consumidores em um ecossistema digital cada vez mais intrusivo.

Além disso, a ‘normalização’ da utilização de ferramentas de vigilância tecnológica, sem poder de oposição por parte do consumidor, seja pela razão da falta de transparência ou da falta de regulação que limita e protege a intervenção da tecnologia na vida dos consumidores, muito se assemelha-se ao “panóptico” de Focault. 

Assim como o Panóptico os consumidores ao serem direcionados a agirem de acordo com os interesses capitalistas limitam sua autonomia e reforçam padrões e preferências, e um ambiente onde a liberdade é elevada pela vigilância invisível que molda padrões de conduta e decisões.

Nenhum contexto de manipulação algorítmica e falta de autonomia reforçam a necessidade de maior transparência na aplicação da IA ​​e de uma regulação que proteja o direito dos consumidores à escolha. Políticas que promovam uma interação mais ética entre consumidores e plataformas digitais são essenciais para garantir que os consumidores não sejam tolhidos de decisões voluntárias e sobretudo de seu recurso mais valioso, seu tempo.

 

Referências:

HARVEY , David.  Condição pós-moderna : Uma Pesquisa sobre as Origens da Mudança Cultural. Edições Loyola, v. 1, f. 178, 1992. 356 pág.

ZUBOFF , Shoshana.  A Era do Capitalismo de Vigilância : A Luta por um Futuro Humano na Nova Fronteira do Poder. Nova York: PublicAffairs, v. 3, 2019. 478 p.

HARI, Johann. Foco roubado: por que você não consegue prestar atenção — e como pensar profundamente novamente . 1. ed. Nova York: Crown, 2021. ISBN 9780593138519. 

REDE DE ECONOMISTAS DAS NAÇÕES UNIDAS. Economia da atenção: nova economia para o desenvolvimento sustentável . [Sl]: Nações Unidas, [2023]. Disponível em: https://www.un.org . Acesso em: 27 out. 2024. 

ANDERSON , Chris.  A Cauda Longa . Elsevier Brasil, f. 132, 2005. 264 pág.

FOUCAULT , Michel.  Vigiar e Punir . 27 ed. Vozes, 1987. 288 p.

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