Uso da Inteligência Artificial como Ferramenta no Registro de Marca e a Responsabilidade pelos Danos Causados

Marcelo Porto Neves

Introdução: Identificação do uso da IA como ferramenta de registro marcário.

Para a concessão do registro de uma marca no Brasil, faz-se necessário seu respectivo pedido perante o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) e o consequente atendimento às exigências da Lei n. 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI). O uso da Inteligência Artificial (IA) no registro de marca pode trazer resultados excepcionalmente positivos, mas há de se ponderar sobre as possíveis repercussões negativas de seus erros. O presente artigo pretende trazer reflexões do uso da inteligência artificial como ferramenta no registro de marca no Brasil e a responsabilidade pelos danos causados.

A Propriedade Intelectual (PI) protege as criações do intelecto humano e garante aos inventores e responsáveis o reconhecimento pela obra desenvolvida, bem como a possibilidade de expor, dispor ou explorar comercialmente o fruto da proteção. 

Em qualquer empresa há pelo menos uma criação a ser protegida pela PI, que pode se tornar um ativo valioso, a exemplo de sua identidade visual caracterizada como marca. Nesse sentido, os usuários de marcas devem assegurar o respectivo direito de uso para fins de sua própria segurança jurídica e podem oferecer ao mercado a opção de contrato de licenciamento da marca, por exemplo, dentre outras formas de proteção da PI e de explorá-la comercialmente. 

Chesbrough (2012) afirma que estamos vivendo uma era de mudanças de paradigmas, pois cada negócio estabelecido chega um dia ao seu limite e as companhias que não inovam, acabam morrendo; por isso, as empresas devem inovar a sua inovação.

A era da Inteligência Artificial (IA) está oficialmente entre nós e seus sistemas “são considerados racionais, capazes de coleta e comunicação de dados, de aprendizagem com a experiência acumulada, de tomarem decisões imprevisíveis e, para muitos estudiosos, são independentes e autônomos” (SALOMÃO; TAUK, 2020).

Nessa senda, não podem ser excluídos os escritórios especializados em Propriedade Intelectual: o uso da IA no registro de marca pode trazer resultados excepcionalmente positivos, mas há de se ponderar sobre as possíveis repercussões negativas de seus erros. 

 

2. Direito Marcário: Marca como fator crítico para o sucesso dos negócios.

As marcas constituem todos os nomes ou sinais hábeis para serem aposto a uma mercadoria ou um produto, ou para indicarem determinada prestação de serviço e estabelecerem a identificação entre o consumidor ou usuário e a mercadoria, produto ou serviço (SILVEIRA, 2018) e, por serem a identidade do produto ou serviço, são consideradas um dos ativos mais valiosos de uma empresa. Esta identidade influencia diretamente na concorrência e na publicidade, já que são capazes de gerar um efeito perante os consumidores, que passam a identificar e diferenciar os bens de determinadas empresas, em relação aos de seus concorrentes no mercado em que atuam (ROCHA; OLIVEIRA, 2017).

Apesar de a marca ser uma ferramenta opcional e de agregação de valor de quem introduz um produto ou serviço no mercado com intuito de identificá-lo e distingui-lo dos demais (BARBOSA, 2017), ela permite a diferenciação dos concorrentes na disputa pela preferência na sociedade de consumo (INPI, 2013; SCHMIDT, 2019) e é considerada um fator crítico para o sucesso dos negócios, vez que estrategicamente representa uma das vantagens competitivas e, por conseguinte, fonte de lucratividade, quando caracterizada como forte (OLIVEIRA; LUCE, 2001 apud BALDAUF; CRAVENS; BINDER, 2003). Nesse sentido, a proteção de uma marca tem por finalidade – em primeiro lugar – proteger o investimento do empresário (BARBOSA, 2017).

O registro da marca possibilita que a gestão da empresa seja mais eficaz no cenário concorrencial, sendo esta, uma visão estratégica e mercadológica do negócio. Devido ao seu valor, é essencial essa proteção, já que garante a competitividade e credibilidade nos mercados em que a empresa está presente.

Barbosa (2017) defende que a marca é uma ferramenta facultativa de identificação de um produto ou serviço que merece ser distinguido dos demais, desta forma assegurando a chance de lucro. Schmidt (2019) afirma que a marca detém um papel central na moderna sociedade de consumo por se constituir ferramenta fundamental para distinguir e orientar as preferências dos consumidores, apesar de a marca, por si só, não existir fora do atendimento a todas dimensões das capacidades competitivas.

A natureza jurídica da marca obtém efeitos práticos após o seu registro, vez que o art. 129 da Lei n. 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI) versa que a propriedade da marca é adquirida pelo registro validamente expedido, sendo assegurado ao titular seu uso exclusivo em todo o território nacional.

Ocorre que um simples pedido de registro de marca perante o INPI pode trazer repercussões negativas para o seu titular, a exemplo de prejuízos financeiros: na via administrativa, custos para o exercício do direito de defesa mediante a apresentação de manifestação à oposição ou, ainda, do recurso contra o indeferimento; na via judicial, custos para defesa em ação judicial de abstenção de uso de marca com pedido de indenização por danos materiais e morais. Neves (2023) assevera, em regra, quem usa uma marca não registrada pode ser obrigado a se abster de usá-la imediatamente e, ainda, a pagar uma indenização pelo seu uso indevido, caso ela esteja ou seja concedida a um terceiro. Nesta última situação, não é necessário comprovar os danos materiais e morais causados pelo uso indevido da marca, mas tão somente o seu uso, em virtude de a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerá-los in re ipsa (presumidos).

Nesse sentido, antes do depósito do pedido de registro de uma marca perante o INPI é essencial a averiguação dos requisitos legais para evitar ou minimizar as chances de desdobramentos indesejáveis. 

Visando à maior segurança jurídica para o titular de um pedido de registro de marca e, ainda, a maximizar suas chances de deferimento e concessão, sempre foi considerado de bom alvitre o auxílio de uma consultoria especializada no Direito Marcário: em caráter exemplificativo, dos pedidos de registro de marca que foram depositados sem procurador constituído em 2022, apenas 7,32% lograram êxito. (NEVES, 2023). Uma vida inteira sem mudanças significativas, mas, em um futuro muito próximo, há perspectivas de profundas mudanças.

 

3. Inteligência Artificial: Responsabilidade civil objetiva do profissional.

Wachowicz (2023) acredita que “o ano de 2023 é o marco da massificação do uso da inteligência artificial, tal como o ano de 1995 é lembrado como o do boom da internet, que criou a sociedade informacional”.

O uso da IA no registro de marca pode trazer resultados excepcionalmente positivos, mas há de se ponderar sobre as possíveis repercussões negativas de seus erros. 

Quando da averiguação dos requisitos do exame de mérito do INPI, quais sejam, liceidade, distintividade, veracidade e disponibilidade do sinal marcário, em relação aos aspectos gráficos, fonéticos e ideológicos, inclusive por meio de buscas de anterioridade e da análise de petições protocoladas perante o INPI, além da pesquisa de afinidade mercadológica a fim de evitar confusão ao consumidor, em regra, um profissional altamente qualificado tem que investir algumas horas de trabalho, o que, com o auxílio de uma IA, ele pode obter resultados mais precisos e em menos tempo.

Ocorre que no Brasil a IA não é considerada titular de direito. Além disso, o Art.186 da Lei n. 10.406 (Código Civil – CC) estampa que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” e o Art. 14 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor – CDC) determina que “o fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”.

Verificada a responsabilidade objetiva do fornecedor, não se indaga a ocorrência de culpa, a qual é irrelevante e sua verificação desnecessária, vez que não há intercessão na responsabilização: faz-se suficiente a demonstração do evento danoso, do nexo causal e do dano ressarcível e sua extensão para a reparação de danos (ALMEIDA, 2008).

Diante do esposado, o profissional que presta consultoria no registro de marca pode responder civilmente por falha na prestação dos serviços e o cliente tem direito de requerer indenização por eventual dano causado por aquele. O uso da IA nesses casos em nada altera a responsabilidade do profissional.

 

4. Considerações finais.

A sociedade atual está começando a vivenciar uma revolução iniciada pelo uso da IA como ferramenta auxiliar nas mais diversas áreas, inclusive a Propriedade Intelectual. Ocorre que eventuais erros produzidos pela IA devem ser assumidos pelo seu operador.

Nesse sentido, conclui-se que se houver violação de um dever jurídico em virtude de uma relação jurídica obrigacional preexistente, o direito do ofendido de ser ressarcido diante de todos os danos ocasionados pode ser concretizado e, portanto, o profissional que prestou consultoria no registro de marca pode ser obrigado a responder civilmente por tais prejuízos.

 

Referências:

ALMEIDA, João Batista de. A proteção jurídica do consumidor. 6 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2008.

BARBOSA, Denis Borges. Proteção das marcas: uma perspectiva semiológica. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. 

CHESBROUGH, Henry. Inovação aberta: como criar e lucrar com a tecnologia. Porto Alegre: Bookman, 2012.

INPI. A criação de uma marca: uma introdução às marcas e produtos e serviços para pequenas e médias empresas. Rio de Janeiro: INPI, 2013.

Neves, Marcelo Porto. Desafios do registro de marca no Brasil: um estudo dos principais fatores para a não concessão durante o período compreendido entre 2018 e 2022. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2023.

OLIVEIRA, Marta Olivia Rovedder de; LUCE, Fernando Bins. O valor da marca: conceitos, abordagens e estudos no brasil. Revista REAd, ed. 69. n. 2, maio/agosto 2011. Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, p. 502-529 apud BALDAUF, A.; CRAVENS, K. S.; BINDER, G. Performance consequences of brand equity management: evidence from organizations in the value chain. Journal of Product & Brand Manangement, v.12, n.4, p.220-236, 2003.

ROCHA, Marcos; OLIVEIRA, Sérgio Luiz Ignácio. Gestão estratégica de marcas.1 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

SALOMÃO, Luis Felipe; TAUK, Caroline Someson. Inteligência artificial e o direito de propriedade intelectual: fundamentos teóricos e legais de proteção in O direito civil na era da inteligência artificial. Rodrigo da Guia Silva e Gustavo Tepedino (coord.). 1. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020.

SCHMIDT, Lélio Denicoli. Marcas: aquisição, exercício e extinção de direitos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019.

SILVEIRA, Newton. Propriedade intelectual : propriedade industrial, direito de automóveis, software, cultivares, nome empresarial, título de estabelecimento, abuso de patentes. 6. ed. Barueri (SP): Manole, 2018.

WACHOWICZ, Marcos. Cultura digital e direitos autorais: da liberdade artística à IA. Revista Observatório Itaú Cultural , São Paulo, n. 36, 2023. Disponível em: https://itaucultural.org.br/secoes/observatorio-itau-cultural/cultura-digital-direitos-autorais-inteligencia-artificial . Acesso em: 27 out. 2024.

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